"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

segunda-feira, setembro 15, 2008

A bolha, a onda e aquilo que respinga

Instituto Humanitas Unisinos - 12/09/08


Sistema financeiro e monetário vive crise em razão do aumento das commodities (Foto: EFE)
A atual crise financeira não tem limites precisos, mas já são maioria os que arriscam que ela é a maior desde a Grande Depressão de 1930. Conseqüências na economia real de um sistema financeiro frágil e altamente especulativo.

A reportagem é de Cristian Carrillo, publicada no jornal argentino Página/12, no dia 10-09-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

A pior crise desde a década de 30 tem uma gênese menos confusa que a onda expansiva que a produziu. O que começou como um estouro de uma bolha imobiliária pôs em evidência a fragilidade do sistema e a pouca transparência da “nova engenharia financeira”. Com alcance na economia real, os especialistas não se põem de acordo na hora de estimar as perdas e o fim dessa etapa. Os países industrializados são os mais prejudicados, enquanto que os emergentes exportadores de matérias-primas, em especial a Argentina, são contados entre os ganhadores a curto prazo, em uma situação que parece pôr em perigo o crescimento mundial. A intenção de resgatar os bancos envolvidos é bem vista, mesmo que a reclamação segue sendo por uma maior regulação. A economia argentina poderia ter problemas no futuro na hora de conseguir crédito externo.

Estes são os principais pontos da crise:

1. Início da crise

Da mesma forma que outras crises capitalistas, ela teve início com uma bolha. Os sistemas financeiros costumam atravessar ciclos, de auge e contração, e eventualmente de crise. Esta começou com uma política expansiva levada a cabo pelo então titular da Fed, Alan Greenspan, na qual se reduziu a taxa de juros de referência para um por cento. Isso, junto a um cenário de baixa inflação, gerou uma onda de endividamento a baixo custo. Esse crédito fácil elevou a demanda de imóveis e seus preços. Por sua vez, esse incremento permitia ao dono de uma casa (posta em garantia) ter acesso a um crédito maior. A bolha estourou quando a própria Reserva Federal teve que aumentar as taxas para esfriar a economia. A isso, somou-se que as hipotecas foram gerando diferentes instrumentos, cujo atrativo subjacente eram os créditos de inversão, que desabaram ao se quebrar a cadeia de pagamentos.

2. O primeiro reflexo no sistema financeiro

Em um primeiro momento, o que se evidenciou foi a ruptura na cadeia de pagamentos. A crise afetou um importante número de contratos, garantidos sobre esse tipo de créditos de baixa qualificação, que não puderam ser cumpridos. As entidades e os instrumentos ligados às subprimes deixaram de ter um valor de referência e entraram em colapso. Nesse cenário, a nova engenharia financeira não fez outra coisa que amplificar o custo. Os fluxos também tiveram lugar nessa história, devido ao temor de que qualquer ativo em carteira pudesse ser contagiado.

3. O impacto na economia real

Não importando a análise que se faça, o certo é que o efeito real vai depender do tempo em que a crise se estenda. Em uma primeira instância, já se pode verificar uma desaceleração no crescimento da economia mundial. De todos os modos, a evidência ainda descarta a possibilidade de uma recessão generalizada. Desde o começo, as perdas estiveram mais concentradas no epicentro da crise. Assim, os Estados Unidos, junto a outros países subdesenvolvidos, viram-se prejudicados por uma queda no preço de sua produção, por um menor consumo e por uma baixa disponibilidade de crédito. No mundo, as pessoas começam a preferir a liquidez, e os bancos devem elevar suas taxas para manter os que investem na poupança dentro do sistema. O estrangulamento do crédito e a debilidade no dólar serão, além disso, o fator de contágio fora dos Estados Unidos.

4. Os países que mais perdem

Os países mais expostos à crise são precisamente os que têm sua economia muito vinculada ao vai-vem dos Estados Unidos, como o México. Também se incluem os que têm uma participação do crédito muito alta em seu produto interno bruto, já que o novo cenário impõe certas limitações. Índia, China e o resto dos países asiáticos anunciaram que crescerão um ou dois por cento menos que nos anos anteriores, mas o dinamismo que eles têm lhes permitirá obter uma taxa de crescimento na ordem de oito ou nove por cento. Particularmente na China, a projeção das exportações é estável e parece ter estancado depois de um forte ciclo expansivo nos últimos anos. Existem também países, como a Alemanha e o Japão, que poderiam empurrar mais o crescimento da região, mas lhes falta maior coordenação de políticas.

5. Os que ganham

A crise ofereceu uma nova oportunidade aos países exportadores de matérias-primas, em especial de energia. É por isso que o grupo que mais está se beneficiando é o de países produtores de petróleo e minerais, por causa dos altos valores nos quais operam. “Todos têm excedentes em seus balanços de pagamentos, e a situação geral é mais homogênea”, informou o economista Mario Damill ao jornal Página/12. Entre os exportadores de alimentos, a situação merece um maior nível de detalhamento. Nesse último caso, deve-se excluir aqueles países que importam outros alimentos que são enviados ao exterior, e por isso o resultado é mais desigual. Nesse esquema de diferenciação, a Argentina é a mais favorecida, por ser exportadora de alimentos.

6. A evolução das commodities e o dólar

A debilidade do dólar frente ao resto das moedas impulsionou que bancos centrais do mundo reduzissem sua exposição de reservas nessa moeda. Isso ainda acontece em ritmo moderado, mas a fuga preocupa os investidores, que buscam refúgio em outros ativos. Também aumenta a demanda de títulos do Tesouro, o que de alguma maneira serve à diminuição das taxas de juros internacionais, porque a capacidade de intervenção do Departamento da AdministraçãoAlejandro Vanoli ao jornal Página/12.

7. Quanto tempo vai durar

Estimar uma data certa para o fim desse processo é difícil, porque se desconhecem quem são todos os que perdem. Também não se pode estimar quantitativamente “o estado de humor” do mercado, enquanto a Reserva Federal siga tateando o terreno e ensaiando soluções. A análise dos especialistas é que a crise vai continuar por vários meses, e o impacto final vai ter mais a ver com a desconfiança que o mercado outorgue ao sistema financeiro internacional.

8. O que se fez

A decisão da Reserva Federal, desde o começo, foi fazer frente à crise financeira sobre outros temas pendentes, como a inflação. A impressão colhida dos analistas consultados é que a resposta da Fed foi correta. Deu-se prioridade à estabilidade financeira, apesar de que alguns economistas tenham criticado o fato de acionar o banco central norte-americano. Estes defendiam que um resgate incentivaria o “risco moral” (estimularia a arriscar, porque existe a possibilidade de transladar o risco). Essa crise se gerou em um esquema muito liberal, com risco moral baixo, e única maneira pela qual a Fed parece combatê-la é com uma coordenação monetária. “Deixar que quebrem porque arriscaram é anti-diluviano e gera um grande problema financeiro”, disse Damill.

9. O que falta fazer

O fato de acionar os principais responsáveis da política monetária põe de manifesto que as prioridades se dividem em cortar a crise, depois evitar uma contração forte da economia e, por último, conter a inflação. A Fed segue nessa linha, mas a União Européia não. A divergência entre as taxas de juros de ambas as economias abre espaço para a especulação. As maiores regulações servirão para evitar novas crises, principalmente nas agências qualificadoras de risco, enquanto que uma política fiscal mais expansiva poderia tirar os Estados Unidos do atual estancamento no qual sua economia se encontra.
aumenta. No caso das commodities, mesmo que se argumente que o alto preço persistirá ao longo do tempo porque há razões estruturais, no curto prazo a queda poderá vir da mão do setor financeiro. “O impacto vai depender do desarme de certas posições especulativas para cobrir outras perdas”, disse o economista

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