“A ‘economia una’ está produzindo um capitalismo policêntrico (...) Num mundo policêntrico, uma verdade absoluta para o futuro do mundo já deixa de ser convincente. O ‘capitalismo global’, ou a ‘economia una’, terá que dar lugar, desta vez a sério, a ‘diálogos globais’ nos quais se coloque sobre a mesa ‘o espírito do capitalismo’, na expressão de Weber, ou ‘a estrutura do sistema’, no vocabulário de Phillip Stephens”.
A análise é de Walter Mignolo, professor da Duke University (EUA) e pesquisador da Universidade Andina Simon Bolívar (Equador), em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 12-08-2008. A tradução é do Cepat.
Os Jogos Olímpicos em Pequim mostram o esplendor da China, enquanto Vladimir Putin viaja de Pequim ao Cáucaso para atender o conflito armado entre a Federação Russa e a Geórgia, na disputa pela anexação ou pela soberania da Ossétia. Enquanto isso, George W. Bush insta com veemência para que a Rússia detenha a invasão armada à Geórgia, posto que este é um país soberano, e a soberania de um país é um princípio sério no conceito (neo)liberal de democracia. O presidente dos Estados Unidos, lamentavelmente para o país, já não tem autoridade moral ou política para fazer tais exigências. Aliás, a publicação – na semana passada – do livro de Ron Suskind (Prêmio Pulitzer), The Way of the World, reavivou em Washington os rumores de um segundo Watergate.
A situação é complexa, e as mudanças no tabuleiro de xadrez das relações internacionais dos últimos anos são drásticas. O conflito armado entre a Geórgia e a Rússia é parte do movimento sísmico que está mudando a ordem mundial.
Depois do fracasso da sétima Rodada de Doha, Phillip Stephens, editorialista do Financial Times, escreveu um artigo bastante sensato. As diferenças de opiniões que frearam as negociações entre a China e a Índia, por um lado, e os Estados Unidos (com a União Européia sentada na cadeira de trás), foram não apenas diferenças de opiniões, mas fundamentalmente uma mudança de atitude. Stephens culpava os dois lados pelo fracasso nas negociações e não recriminava a China e a Índia que se opuseram defendendo seus interesses. Recriminava, isso sim, o fato que a atitude da China e da Índia poderia colocar em perigo “a estrutura do sistema”. A observação mais interessante de Stephens, contudo, apontava as razões do impasse. Em rodadas anteriores, observava, os Estados Unidos e a União Européia chegavam às rodadas com sua agenda e, ao resto do mundo, não restava senão acatar. “Já não mais”, disse literalmente Stephens.
A atitude da Rússia é parte desta mudança: “Já não mais” ou “Rússia desafia o Ocidente”, como assinalava a manchete de um dos artigos do New York Times. O La Vanguardia, da Espanha, informa que a Rússia anunciou um ataque “preventivo” (as aspas são deles) para que a Geórgia não avançasse sobre território ossetiano. A União Européia pede “cessar fogo”, como o fez anos antes em relação à invasão do Iraque. Depois de tudo, o Iraque era um país soberano, gostássemos disso ou não. O presidente da Geórgia, Mijail Saakashvili, tem razão quando denuncia que a Rússia está destruindo um país. A Geórgia hoje, como o Iraque ontem.
Saakashvili parece ter errado o momento e não ter entendido o movimento sísmico na ordem mundial. Talvez, se sua decisão de anexar a Ossétia tivesse sido tomada alguns anos antes, a situação teria sido outra. Seu esforço por fazer da Geórgia, no Cáucaso, um membro da OTAN e aproximar-se da União Européia é uma situação tão complexa e problemática como a de Cuba, durante a Guerra Fria, por estar ligada à esfera soviética, mas localizada no centro do Caribe. A história continua, e as declarações de Putin de restabelecer relações com Cuba são paralelas às relações da OTAN e o apoio da Casa Branca ao presidente Saakashvili.
A economia global é na verdade, uma economia capitalista, no sentido que Max Weber, Joseph Schumpeter, F. A. Hayek e Milton Friedman deram a este termo. Mas a “economia una” está produzindo liberdade, como notava Friedman, e também Amartya Sen, ao substituir “capitalismo” por “desenvolvimento”. A “economia una” está produzindo um capitalismo policêntrico. O fracasso da Rodada de Doha é um sinal dessas mudanças, mudanças que não escapam – para bem ou para mal – às autoridades da Federação Russa. Num mundo policêntrico, uma verdade absoluta para o futuro do mundo já deixa de ser convincente. O “capitalismo global”, ou a “economia una”, terá que dar lugar, desta vez a sério, a “diálogos globais” nos quais se coloque sobre a mesa “o espírito do capitalismo”, na expressão de Weber, ou “a estrutura do sistema”, no vocabulário de Stephens.
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