Instituto Humanitas Unisinos - 12/09/08
Ao menos oito pessoas morreram e mais de 30 foram feridas, muitas a tiros, em um enfrentamento entre camponeses pró-Evo Morales e manifestantes opositores em Tres Barracas, próximo a Porvenir, no departamento de Pando, no norte da Bolívia. Os detalhes do episódio ainda são nebulosos.
A reportagem é de Flávia Marreiro e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 12-09-2008.
Foi o dia mais sangrento até agora da mais recente escalada da crise política no país, iniciada há 20 dias, quando os governadores oposicionistas decidiram intensificar os protestos contra Morales.
O objetivo estratégico da oposição é impedir que o presidente, fortalecido pelo referendo do dia 10 de agosto em que foi confirmado no cargo, realize a votação para aprovar a nova Carta do país, rejeitada pela oposição. A exigência imediata é a restituição aos departamentos de parte de um imposto sobre o gás redirecionado para pagar pensões a idosos.
À noite, o vice-presidente, Álvaro García Linera, em um duro discurso, declarou o país em luto pelas mortes e anunciou um reforço das forças de segurança, da Polícia Nacional e de militares, em todo o país.
O principal destino dos soldados e policiais deve ser a região onde estão as infra-estruturas produtoras de gás, majoritariamente no sul, na região do Chaco, departamento de Tarija, onde uma usina de gás e uma estação essencial para o envio de gás à Argentina estão tomadas pelos opositores.
Militares
Líderes da oposição em Villamontes diziam ontem que um avião militar, com reforços, havia aterrissado em Palos Blancos, próximo aos dois campos de gás operados pela Petrobras no Chaco. À noite, eles acordaram a cidade com alto-falantes, conclamando a população a resistir aos militares, que estariam vindo para romper os bloqueios rodoviários. Até o fechamento desta edição, não havia sinal de soldados.
"Exigimos uma retirada imediata de cada um dos grupos de assaltantes e ladrões que estão ocupando os campos gasíferos e as instituições", disse García Linera. Mais cedo, o próprio presidente Morales falara que "paciência tem limite", em ato público em La Paz com dirigentes da COB (Central Operária Boliviana) e camponeses.
Estado de sítio
Nem Morales nem García Linera, no entanto, mencionaram estado de sítio - opção que está na mesa do governo desde a semana passada.
Segundo o ex-porta-voz do governo Alex Contreras, hoje comentarista da TV pública, o gabinete está dividido entre adotar a medida de exceção e fazer uma ofensiva de negociação com as regiões. "O Estado de sítio pioraria tudo. Os militares já não estão conseguindo cumprir a ordem impossível que lhes foi dada de proteger prédios públicos e infra-estruturas energéticas", diz ele sobre a perda de controle de duas estações de gás nos últimos dias.
Um cético próximo à Vice-Presidência argumenta que não há mais interlocutores na oposição e que anunciar flexibilidade em temas fiscais não desarmará a oposição. "Com quem vamos falar? Com a União Juvenil Cruzenha?", perguntou, em referência à milícia radical de Santa Cruz.
"Massacre"
O vice-ministro de Coordenação de Movimentos Sociais, Sacha Llorenti, disse que as mortes em Pando foram um "massacre perpetrado contra os camponeses" por milícias a mando do governador do departamento, o opositor Leopoldo Fernández. O governador negou envolvimento, afirmando que a situação "escapa ao controle das autoridades".
Mais cedo, o vice-ministro do Interior, Rubén Gamarra, havia dito que entre as vítimas estavam um engenheiro do governo de Pando, um vereador de Porvenir -opositores- e dois camponeses. Gamarra responsabilizou o Conalde (Conselho Nacional Democrático), que reúne os líderes anti-Morales de cinco departamentos pelas mortes.
Segundo relatos oficiais, o enfrentamento teve início quando funcionários de Pando armaram barricadas na estrada para impedir os camponeses de dirigirem-se a um encontro.
Para analistas, o confronto entre grupos radicais dos dois lados, sem a interferência das forças de segurança, é o cenário mais provável se nenhum dos lados ceder, e caso o governo não declare estado de sítio. De um lado estão as milícias ou mobilizações violentas articuladas pela oposição, do outro está a rede de movimentos sociais que apóia Morales.
Em outras ocasiões, o presidente já os convocou a defenderem o "processo de mudanças". Até agora, não houve uma convocação explícita.
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