"No debate sobre o pré-sal, o problema básico é capturar e depois usar bem as "rendas ricardianas" do petróleo", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo Fernando Henrique Cardoso) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo Fernando Henrique Cardoso), em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo,08-09-2008. Segundo ele,"não deixa de ser curioso que os setores que sempre lhe foram contrários de repente se transformem em seus defensores".
Eis o artigo.
A teoria econômica distingue os lucros ou dividendos dos capitalistas inativos (que são a remuneração do seu capital e correspondem aos juros e aos aluguéis), dos lucros dos empresários derivados de suas inovações e das "rendas ricardianas" que têm origem nos diferenciais de produtividade dos recursos naturais. Enquanto lucros-dividendos, juros e aluguéis são legítimos desde que modestos, e os lucros de empresários schumpeterianos são excelente sinal de que o país se desenvolve, as rendas ricardianas, além de não terem legitimidade, causarão graves prejuízos para a sociedade se não forem capturadas por ela.
Por isso, e porque o mercado não tem poder de controlá-las, David Ricardo, há 200 anos, as estigmatizava, e as nações bem governadas as controlam. No debate sobre o pré-sal, o problema fundamental que a sociedade brasileira enfrenta é o de capturar e depois usar bem as rendas ricardianas do petróleo. Por isso, o governo iniciou o debate do problema; por isso, entende que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) não é uma verdadeira agência reguladora (não tem preços monopolistas a definir como se mercado houvesse), mas uma agência executiva a quem cabe executar a política do governo (nos países desenvolvidos, as agências de petróleo são sempre executivas); por isso, está estudando a conveniência da criação de uma empresa 100% estatal para ser proprietária das reservas de petróleo e agir como instrumento adicional do governo na partilha das rendas.
Como essas rendas são elevadas, empresas nacionais e estrangeiras do setor, reunidas em associação, organizam seminários e contratam economistas e engenheiros para garantir que a ANP seja "autônoma" e que a empresa 100% estatal não seja criada. Dessa forma, esperam participar dessas rendas.
Alguns dos argumentos que apresentam em seu favor devem ser considerados pela sociedade brasileira. Sem dúvida, serão necessários grandes investimentos, e, portanto, é preciso não desestimulá-los. Mas, para isso, não é preciso que se apropriem das rendas do petróleo; basta que fiquem com os lucros. Sem dúvida, é preciso garantir a Petrobrás - esta é um grande patrimônio nacional -, mas não deixa de ser curioso que os setores que sempre lhe foram contrários de repente se transformem em seus defensores.
Sem dúvida, o Brasil já ultrapassou a fase em que empresas estatais eram necessárias para promover a industrialização, mas não é essa a questão em jogo em torno da empresa 100% estatal. Se esses argumentos merecem consideração, há um argumento adicional que considero indigno: um desrespeito aos brasileiros. Já li e ouvi que a empresa 100% estatal necessitará de, no máximo, 100 técnicos altamente qualificados, mas que logo estará empregando 5.000. Críticas aos governantes e às instituições são essenciais para a democracia.
Com esse argumento, porém, o que se está afirmando é que o Estado brasileiro é formado por um bando de políticos e servidores corruptos que ignoram o interesse público. Não se está fazendo, portanto, uma crítica razoável, mas se está ignorando e desmoralizando dois séculos de esforço dos brasileiros para construir seu sistema constitucional legal e sua administração pública. Para ser coerente, quem faz tal afirmação deveria advogar que o Brasil devolva seu Estado a Portugal e volte à condição de colônia.
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