O presidente da Bolívia, Evo Morales, aceitou ontem que a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) atue como mediadora do diálogo entre seu governo e os cinco governadores de oposição, que há três semanas promovem o bloqueio de rodovias e a ocupação de aeroportos e prédios públicos.
A reportagem é de Clóvis Rossi e publicada no jornal Folha de S.Paulo, 16-09-2008.
Morales, no entanto, apresentou aos oito presidentes (mais a anfitriã Michelle Bachelet), reunidos em cúpula de emergência da Unasul em Santiago, Chile, duas condições para iniciar as negociações. Primeiro, que os opositores desocupem os edifícios do governo; segundo, que uma comissão internacional investigue o massacre de camponeses pró-governo no departamento de Pando (norte da Bolívia).
O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), José Miguel Insulza, ofereceu sua instituição para a investigação. O "sim" de Morales à mediação veio depois da intervenção do presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva. Lula disse que, se Morales optasse por reprimir os opositores, não havia nada que a Unasul pudesse fazer. O bloco regional, criado há apenas quatro meses, atuaria se a opção pelo diálogo fosse de Morales.
"A posição de Lula mudou o eixo da reunião", conforme a Folha ouviu de representantes chilenos e peruanos.
Explica-se a frase: até então, haviam predominado as críticas do venezuelano Hugo Chávez ao que considerou "mão oculta de Bush [o presidente dos EUA] na preparação de um golpe na Bolívia".
Aliás, Morales abriu a reunião, depois da apresentação da anfitriã, Michelle Bachelet, exibindo vídeo de atos de vandalismo da oposição e de proclamações golpistas. Também Cristina Kirchner (Argentina) criticou, embora em termos bem mais brandos, os EUA, depois de Chávez ter dito que a suposta conspiração norte-americana agora estava envolvendo a própria presidente argentina (referência à acusação dos EUA de que a campanha eleitoral da hoje presidente foi financiada por Chávez).
Lula tirou completamente o foco dos EUA com a sua observação sobre a autonomia de Morales para aceitar ou não o diálogo. Tanto que não houve, na declaração final, qualquer menção a Washington.
Lula, ao sair do Palácio de la Moneda, sede do governo chileno e da cúpula de emergência, já avançada a noite (passava das 21 horas, 22h em Brasília), festejou o resultado e a ênfase no diálogo: "Um país pobre como o Bolívia precisa de tranqüilidade para poder se desenvolver".
Já o chanceler Celso Amorim preferiu resumir o encontro em duas palavras: "pressão e diálogo". Pressão no sentido de que a condição indispensável para o diálogo é a desocupação, pelos oposicionistas, de prédios públicos ainda tomados.
O documento dá ainda, como a Folha antecipara, forte respaldo à "autoridade legítima", o presidente Evo Morales, condição, aliás, que Lula também fez questão de ressaltar, lembrando até que a legitimidade do boliviano saíra reforçada do recente referendo revogatório.
O texto faz ainda intransigente defesa da integridade territorial da Bolívia, "que não deve ser posta em questão em nenhum momento", segundo o chanceler chileno Alejandro Foxley. Parte da oposição já vinha usando uma palavra incendiária ("secessão") para tratar da autonomia dos departamentos rebelados contra La Paz.
De todo modo, o nítido respaldo a Morales, natural em se tratando de um presidente eleito e reconfirmado, vem acompanhado do aceno ao diálogo com a oposição. Falta apenas definir o formato final do que os chilenos estão chamando de "mesa de diálogo".
O que está certo é que a presidência de turno da Unasul, exercida pelo Chile, será a liderança. Houve uma proposta para que o chamado grupo de amigos da Bolívia (Argentina, Brasil e Colômbia) completasse a mesa. Mas o uruguaio Tabaré Vázquez reclamou: "Porque só três amigos, se somos todos amigos da Bolívia?".
Ficou então decidido que todos os 12 países da Unasul formarão o grupo de amigos, que se colocará à disposição de Morales para iniciar a mediação. Mas nem todos, óbvio, irão à Bolívia. Bachelet vai conversar nos próximos dias com os colegas para definir quem acompanhará a missão de pacificação.
Antes da reunião dos presidente, o chanceler Foxley dissera que o diálogo seria com "todos os setores". "Inclusive com Leopoldo Fernández, governador de Pando, cuja prisão foi decretada pelo governo e que o presidente Morales não aceita à mesa?", perguntou a Folha.
Foxley respondeu com uma frase que permite qualquer interpretação: "O que interessa é um diálogo construtivo com interlocutores dispostos a chegar a um acordo". Ao chegar a La Paz, Morales antecipou o que seria seu discurso ante os chefes de governo. Denunciou que está em marcha o que chamou de "golpe de Estado cívico em alguns departamentos", em referência aos Comitês Cívicos, que reúnem a elite econômica e política das regiões.
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