A Europa sente na pele os efeitos da crise deflagrada em agosto de 2007 pelo mercado imobiliário americano, com vários países caminhando rumo à recessão. A persistência das turbulências nos EUA enterra de uma vez a esperança de "descolamento" da crise que havia em outros países, sobretudo os emergentes, como o Brasil, apontam economistas.
A reportagem é de Marcelo Pinto, publicada no jornal Folha de S.Paulo, 18-09-2008.
O resgate da seguradora americana AIG pelo governo e os rumores de venda da HBOS, maior financiadora de hipotecas do Reino Unido, que em seis dias perdeu metade de seu valor, animaram as Bolsas européias na abertura do pregão de ontem. Mas o otimismo durou pouco, sendo logo substituído pelos temores de que o pior está por vir. Os principais mercados de ações fecharam em queda: 2,25% em Londres, 1,75% em Frankfurt e 2,14% em Paris.
Depois de dois dias de intervenções no mercado, com injeções de mais de US$ 140 bilhões, o BCE (Banco Central Europeu) ontem não repetiu o gesto, que foi avaliado no mercado como uma medida quase inevitável. "O BCE tinha muito pouca margem de manobra", afirma Nicolas Verón, do centro de estudos econômicos Bruegel, em Bruxelas.
"Estamos vivendo a pior crise financeira da história e ainda é cedo para avaliar suas conseqüências", diz Charles Wyplosz, diretor do Centro Internacional de Estudos Monetários e Bancários, em Genebra. Para ele, é difícil calcular a exposição européia à quebra do Lehman Brothers, já que os bancos mantêm os dados em sigilo. Mas deduz que ela seja considerável. "As instituições financeiras européias estão profundamente ligadas às americanas", diz. "Se a economia americana se desacelera, também somos diretamente afetados, devido à forte relação comercial. Não há como escapar do contágio."
Isso ficou claro ontem, quando foi divulgado que o déficit comercial da zona do euro atingiu em julho US$ 3,2 bilhões, um resultado muito distante do superávit de US$ 7 bilhões no mesmo mês de 2007. Nos primeiros sete meses deste ano, quando a economia americana registrou forte desaceleração e a moeda européia se manteve valorizada, o superávit comercial dos 15 países da zona do euro com os EUA caiu 4% em relação ao mesmo período de 2007. Já as exportações da UE para o Brasil cresceram 20%, enquanto as importações subiram 12%.
Com a interdependência comercial e financeira crescente, virou fumaça a tese de que alguns países conseguiriam se descolar da crise dos EUA, dizem os especialistas. "O foco pode ser transatlântico, mas a crise é global", diz Verón.
Para Charles Wyplosz, o aviso vale também para as grandes economias emergentes, que devem ser atingidas pela próxima onda de turbulências, prevê. "Talvez o Brasil, por ter fundamentos sólidos, sofra menos. Mas ninguém ficará imune."
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