Desafiando o Rio-Mar: Flutuante Horizonte/Flutuante Boca do Mamirauá
Há mais pessoas que desistem do que pessoas que fracassam”. (Henry Ford)
Hiram Reis e Silva (*)
- Largada para o Flutuante Cauaçú
Partimos às 5h40min do dia 26, navegando quase um quilômetro rio acima, colados na margem esquerda, pois a entrada do furo ‘Mari-Mari’ ficava, praticamente, em frente ao flutuante, na margem oposta, e a força da correnteza nos impediria de acessá-lo.
- Paraná Mari-Mari
O caboclo da Amazônia não faz distinção entre furos e paranás. Por definição, os furos são canais que ligam o mesmo rio, permitindo, na maioria das vezes, diminuir os percursos. O ‘Mari-Mari’ é um exemplo disso, unindo o Solimões a ele mesmo e encurtando o caminho natural do rio que, no local, faz uma grande volta. O Paraná, por sua vez, é um canal que liga dois rios distintos, como o caso do Aranapu, que liga o Solimões ao Japurá.
Acessamos a entrada do ‘Mari-Mari’ quando o sol iniciava sua caminhada no amazônico horizonte. O furo, relativamente estreito, permitiu-nos admirar a paisagem exuberante de ambas as margens. Mergulhamos de corpo e alma no ambiente que nos cercava, absorvendo seus aromas e sons impressionantes. O nascer do dia estimulava os pássaros, numa esplendorosa melodia em louvor ao sol; ao fundo, um soturno coral de ‘guaribas’ (bugios) complementava a peculiar sinfonia da aurora.
Passamos por um grande coqueiral e por uma casa de alvenaria que, pela grandeza e qualidade da construção, contrastava com o ambiente a sua volta. Ficamos sabendo, depois, que seus donos residiam em Tefé e que criavam tambaquis e pirarucus em lagos situados atrás da sede da fazenda.
- Flutuante Cauçu
Depois de três paradas, chegamos por volta das 11h30min ao flutuante Cauaçu, onde fomos recebidos pelo senhor Manoel. Descarregamos os caiaques e, enquanto o Romeu se banhava, aproveitei para colocar a ‘malhadeira’ (rede de pesca). O Manoel sinalizou com um lugar melhor na margem oposta e ao retirar a rede para recolocá-la, verifiquei que tinha capturado três piranhas, que limpei -‘tiquei’ - para o jantar. Mudei a rede e fui tomar banho. Escrevi um pouco e fui retirar a rede, constatando que ela havia sido levada pelo boto que rondava pelo ‘furo’. Mais tarde, usando um pequeno arpão, consegui pegar duas sardinhas que foram igualmente limpas e ‘ticadas’. O Manoel foi pescar e consegui dois sardinhões que foram degustados com os demais no jantar.
- Largada para a Boca do Mamirauá
Choveu a noite toda. De manhã, aguardamos um pouco o tempo melhorar e, como isso não acontecesse, partimos às 7h15min do dia 27. Houve um contratempo lamentável: o Romeu se distanciou demais, à frente, e perdemos o contato visual. Tentei chamá-lo, pois ultrapassamos um furo que encurtaria, significativamente, o percurso. A chuva aumentou e o perdi de vista. Preocupado, alterei a rota planejada, seguindo-o e, para isso, contornei a ilha e acessei a boca pelo Japurá. Encontrei dificuldade em entrar na boca do Mamirauá pois, embora avistasse as construções da comunidade, o capim ‘memeca’ havia obstaculizado praticamente toda a foz. Estava realizando mais uma tentativa no norte da foz quando avistei um ‘recreio’ entrando. Acelerei a remada e consegui confirmar com uma passageira que eles estavam se dirigindo para a Boca. Mantive as remadas fortes, para não perder o recreio de vista, e chegamos juntos ao nosso destino.
- Senhor Joaquim Martins
Conhecemos o decano da comunidade e um dos alicerces do Projeto Mamirauá. O senhor Joaquim, muito lúcido e falante nos seus mais de setenta anos bem vividos, contou-nos uma série de ‘causos’ e piadas regionais. Na ocasião, aportaram no seu flutuante três pesquisadores do Instituto, sendo um deles a pesquisadora gaúcha Miriam, com quem marcamos uma entrevista em Tefé.
- Resgate do Romeu
Contatamos o Gerente Operacional do Instituto Mamirauá, senhor Josivaldo Modesto, mais conhecido como ‘César’, solicitando seu apoio para encontrar o Romeu, caso ele tivesse se perdido, e ele imediatamente iniciou pessoalmente uma operação de resgate. O Romeu apareceu mais tarde e atrelamos nossos caiaques à ‘rabeta’ do Tito, um dos filhos do senhor Joaquim, que nos conduziu até o Flutuante Mamirauá, onde mais uma vez fomos cordialmente recebidos pelo zelador, o senhor Ivo.
(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário