"Obama terá de se apoiar em uma coalizão política diferente daquela que dominou os Estados Unidos nos últimos 30 anos. Porque só assim conseguirá superar a crise sem que o país passe por uma depressão", escreve Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo,19-01-2009. "A coalizão neoliberal, escreve o economista, - uma coalizão de tecnoburocratas financeiros beneficiários de enormes ordenados e bônus, associada a uma classe de capitalistas rentistas - dominou os Estados Unidos desde o governo Reagan". Segundo Bresser-Pereira, Obama "terá de mudar o sistema de poder existente em seu país, de um sistema de especuladores financeiros com suas "inovações" que meramente criam riqueza fictícia para um sistema de bancos clássicos que captem recursos dos poupadores e os emprestem a empresários inovadores ou schumpeterianos".
Eis o artigo.
Amanhã, Barack Obama estará assumindo a Presidência dos Estados Unidos, tornando-se, assim, o homem mais poderoso do universo. Não estou seguro, porém, de que ele vá realmente exercer esse poder -de que ele tenha condições de realizar os objetivos a que se propõe, entre os quais, certamente, está o de tirar seu país da mais grave crise econômica desde 1930.
Para isso, ele terá de se apoiar em uma coalizão política diferente daquela que dominou os Estados Unidos nos últimos 30 anos. Porque só assim conseguirá superar a crise sem que o país passe por uma depressão. Ora, ainda que a ampla base popular de sua eleição lhe assegure legitimidade para realmente mudar, a desigualdade existente na sociedade civil norte-americana é suficientemente grande para impor um veto a uma nova coalizão de poder.
A coalizão neoliberal - uma coalizão de tecnoburocratas financeiros beneficiários de enormes ordenados e bônus, associada a uma classe de capitalistas rentistas - dominou os Estados Unidos desde o governo Reagan.
Nesse período de quase 30 anos, os rentistas ficaram satisfeitos porque sua riqueza financeira (medida pelo valor das ações) aumentou quatro vezes mais do que aumentou a produção (o PIB norte-americano), os "golden boys" das finanças ficaram satisfeitíssimos e enriqueceram, as taxas de crescimento econômico foram modestas e a remuneração permaneceu rigorosamente estagnada para 90% da população norte-americana.
Assim, ocorreu enorme concentração de renda e de riqueza nos 10%, principalmente no 1% mais rico da sociedade norte-americana.
Por outro lado, compensou-se a falta de aumento dos salários com a possibilidade do aumento do consumo financiado pelo endividamento das famílias. E diminuíram os impostos pagos pelas empresas e pelos ricos, de forma que também o Estado norte-americano foi obrigado a se endividar. Essa construção de riqueza fictícia e esse enorme aumento das dívidas das famílias e do Estado eram insustentáveis, e o sistema neoliberal explodiu em outubro passado. Ao explodir, uma parte da riqueza financeira foi destruída; as dívidas, porém, não o foram -e essas dívidas, mais a perda de confiança dos consumidores e das empresas, estão levando os Estados Unidos à recessão. Uma recessão que se transformará em depressão se for preciso esperar que toda essa dívida seja paga para que a demanda por consumo e por investimentos se restabeleça.
Para não ficar nessa espera, não bastará a Obama mais um pacote fiscal. Ele terá de mudar o sistema de poder existente em seu país, de um sistema de especuladores financeiros com suas "inovações" que meramente criam riqueza fictícia para um sistema de bancos clássicos que captem recursos dos poupadores e os emprestem a empresários inovadores ou schumpeterianos. Ou seja, sua coalizão política deverá abrir espaço para os trabalhadores e as classes médias que foram esquecidos no período neoliberal, e suas elites capitalistas deverão estar voltadas para a inovação e a produção, e não para os derivativos e a especulação.
Poderá Obama realizar uma mudança regeneradora desse tipo? Em tese, é possível, porque o que aconteceu nesses 30 anos foi uma perversão do capitalismo, não seu curso necessário e inevitável. Para exercer o poder e lograr seus objetivos, porém, o novo presidente dos Estados Unidos precisará de competência política, de coragem e de alguma sorte. Desejo-lhe esta última.
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