A perda de fôlego do consumo e do investimento em 2009 deve provocar uma queda abrupta na contribuição da demanda doméstica para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Se no ano passado a combinação do consumo das famílias, consumo do governo, investimento e variação de estoques colaborou com quase 8 pontos percentuais para a expansão de cerca de 5,5% da economia, neste ano o número pode cair para o intervalo de 1 a 2 pontos, segundo os analistas mais pessimistas. As previsões para o PIB variam bastante, de um crescimento zero a um avanço próximo a 3%. O governo tem 4% como meta.
A reportagem é de Sergio Lamucci e publicada pelo jornal Valor, 19-01-2009.
Como contrapartida da forte desaceleração da demanda interna, as importações de bens e serviços deverão sofrer um forte abalo, passando de uma alta na casa de 20% no ano passado para o terreno negativo em 2009. Nesse cenário, o setor externo poderá ter contribuição neutra ou levemente positiva para o PIB, o que não ocorre desde 2005 - no ano passado, ele "tirou" de 2,2 a 2,5 pontos do crescimento, de acordo com as estimativas. Isso vai ocorrer não por causa de um cenário favorável para as vendas externas, mas devido à expectativa de um recuo das importações.
Com a contração do crédito, a queda da confiança de empresários e trabalhadores e a perspectiva de piora do mercado de trabalho, uma forte desaceleração da demanda interna neste ano é inevitável, segundo o economista Júlio Callegari, do JP Morgan. Ele estima que a contribuição da demanda doméstica para o PIB ficará em 1,1 ponto percentual em 2009, muito abaixo dos 7,7 pontos esperados para 2008. A projeção de 1,1 ponto significa que uma riqueza de cerca de R$ 200 bilhões deixará de ser gerada em 2009, quando se compara à que seria criada se houvesse uma repetição da colaboração de 7,7 pontos do ano passado, calcula Callegari. "Essa forte desaceleração da demanda interna deverá refletir melhor a 'sensação térmica' da atividade econômica do que os próprios números do PIB", afirma ele, que projeta crescimento do PIB de 5,5% em 2008, e 1,5% em 2009.
Para Callegari, o consumo das famílias deve desacelerar de 6,2% em 2008 para 2% neste ano. Um dos grandes problemas é que o impacto da crise global sobre o emprego foi muito abrupto. As demissões já começaram e tendem a aumentar nos próximos meses, diz ele. Condições ruins do mercado de trabalho, somadas à cautela dos bancos na hora de conceder crédito, prenunciam um quadro pouco animador para o consumo das famílias, como lembra o economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria Integrada. Ele projeta um crescimento para o consumo das famílias de 2,1% neste ano. A estimativa para o PIB é de uma alta de 2,6%, número em revisão, provavelmente para a casa de 2%.
A formação bruta de capital fixo (FBCF, que mede o investimento na construção civil e em máquinas e equipamentos) deve sofrer uma desaceleração ainda mais significativa. A economista Thaís Marzola Zara, da Rosenberg & Associados, acredita que a taxa de expansão do investimento vai cair de 16,2% em 2008 para 3% em 2009. A contração do crédito e as perspectivas de esfriamento da demanda reduzem o apetite das empresas por investir. Callegari é mais pessimista, acreditando que a FBCF ficará estável em 2009.
Destacando o impacto negativo da crise sobre o mercado de trabalho, Thaís projeta um crescimento do PIB de 1,5% em 2009, número idêntico ao de Callegari. A diferença é que, para ela, a expansão se deverá integralmente à demanda doméstica - o setor externo, para Thaís, terá contribuição zero para o crescimento neste ano, enquanto Callegari acredita que haverá colaboração positiva de 0,4 ponto. Jensen estima que a a diferença entre exportações e importações entrará com 0,1 ponto.
De 2006 a 2008, a contribuição do setor externo para o PIB foi negativa porque as importações cresceram a um volume bem superior ao das importações. Para o ano passado, por exemplo, a estimativa do JP Morgan é de que o volume de compras externas de bens e serviços tenha crescido 18%. No caso das exportações, a aposta é de queda de 1%. Com isso, o setor externo "tirou" 2,2 pontos percentuais do PIB em 2008, estima Callegari. Nas contas da Tendências, o número ficou negativo em 2,5 pontos.
Para 2009, porém, o quadro vai mudar, por conta do impacto da desaceleração da demanda interna sobre as importações. Com menos consumo e menos investimento, deverá haver uma queda das compras de bens e serviços neste ano. Para Callegari, o volume importado vai cair 2,4% em 2009. Jensen acredita que o tombo pode ser até maior, atingindo 5%.
As perspectivas para as exportações, por sua vez, não são positivas, mesmo com a forte desvalorização do câmbio. Com a economia global em recessão, a demanda por produtos brasileiros não será expressiva. Callegari ainda conta com uma alta do volume exportado de 1,2%, um resultado um pouco melhor do que o recuo de 1% esperado para 2008. Jensen é mais pessimista, projetando tombo de 4% das vendas externas. Por preverem que as exportações terão um desempenho um pouco melhor - ou menos pior - que o das importações, esses analistas esperam uma a contribuição neutra ou ligeiramente positiva do setor externo para o crescimento.
Mas há quem veja um cenário diferente, como o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, que prevê expansão da economia de 2,9% neste ano. Para Borges, a demanda doméstica ainda vai colaborar com 3,9 pontos percentuais para o crescimento do PIB, uma desaceleração expressiva em relação ao ano passado, mas bem acima do projetado por Callegari, por exemplo.
A diferença se deve principalmente à visão de Borges de que o consumo das famílias não vai perder tanto fôlego - ele projeta uma alta de 4,5% para 2009, mais do que o dobro do esperado pelo JP Morgan e pela Tendências. Borges cita vários fatores para justificar sua previsão mais otimista. Ele lembra, em primeiro lugar, que o reajuste médio real do salário mínimo em 2009 será de 6,6%, "o dobro dos 3,3% de 2008". "Combinado a uma inflação de alimentos bem menos pressionada neste ano, isso deverá dar um gás para o consumo básico nas classes de renda mais baixa."
Borges ressalta ainda que a política fiscal deverá ser mais expansionista - o superávit primário, por exemplo, deverá cair de 4,2% do PIB em 2008 para 3,3% do PIB em 2009. "Nossas estimativas mostram que a cada 1 ponto percentual de redução do superávit primário incrementa o crescimento do consumo em 0,5 ponto ao longo de um ano."
Ele cita ainda o fato de que os juros reais de mercado (comparando a taxa privada de um ano com a inflação projetada em 12 meses) está em 6,5%, bem mais baixa do que os 9% a 9,5% registrados entre agosto e meados de novembro. A queda da taxa, que baliza o custo do dinheiro, pode impulsionar a atividade e o consumo, com alguma defasagem. Por fim, prevê que o dólar, hoje na casa de R$ 2,40, cairá para R$ 2,10 no fim do ano. Isso implica o barateamento de vários bens comercializáveis internacionalmente (influenciados diretamente pelo câmbio), como eletroeletrônicos e os produtos de informática. Ele estima que cada 1% de redução da taxa de câmbio gera estímulo de 0,2 ponto percentual no consumo das famílias.
Como espera que a demanda interna, especialmente o consumo, tenha um resultado ainda razoável em 2009, Borges projeta um encolhimento de apenas 0,6% nas importações de bens e serviços. Como acredita que as exportações vão cair 8,2% - um tombo bem maior que o das importações -, o setor externo ainda vai contribuir negativamente para o crescimento, "tirando" 1,1 ponto da expansão do PIB em 2009.
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