“A verdadeira revolução de Obama está nas primeiríssimas palavras pronunciadas para descrever a nação americana. Quando ele disse “somos uma nação de cristãos e muçulmanos” e acrescentou apenas depois “de judeus, hindus e não-crentes”, subverteu uma hierarquia estabelecida há tempos. Unindo os muçulmanos aos cristãos, ele relegou à terceira ordem a religião judaica, e todos sabem que essa é a fé de Israel, até agora definido como o mais estreito aliado da América”.
Gilles Kepel, orientalista e politólogo, autor de alguns dos livros mais lidos sobre o Islã e o mundo árabe (o último, "Oltre il terrore e il martirio" [Além do terror e do martírio, em tradução livre], está no prelo pela editora Feltrinelli) [em português, é autor de "Jihad", Bibliex Cooperativa, 2004], segue o discurso inaugural do presidente norte-americano Barack ObamaParis. “Essa frase suscitou na França os mesmos aplausos que se escutavam ao vivo de Washington”. na sala lotada pelos seus estudantes da faculdade de Estudos Políticos em
A reportagem é de Alix Van Buren, publicada no jornal La Repubblica, 21-01-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Concretamente, professor Kepel, o que essas palavras subentendem?
Anunciam qual será a prioridade, o desafio mais importante da administração Obama em matéria de política externa: reaproximar-se ao mundo muçulmano, restabelecer o diálogo fundado “sobre o interesse e respeito recíprocos”, como ele disse. Nunca um presidente se expressou nos termos escolhidos por um homem que se apresenta como metade branco e metade negro, cristão, mas com uma herança muçulmana que se reflete no seu sobrenome, e enfim um político que é acolhido pela platéia internacional como o primeiro chefe do Estado global.
E a América de Obama, segundo o senhor, poderá recuperar o papel de guia que tinha se evaporado nos últimos anos?
O novo presidente mandou um sinal claro: abre-se agora uma nova fase, em que os Estados Unidos retomam o timão, mas no diálogo com os outros, em um mundo multipolar, segurando a mão dos aliados. Declina, em suma, o “Projeto do Novo Século Americano”, admirado pelos neoconservadores nos oito anos da administração Bush.
Professor, o senhor crê que o mundo muçulmano captou esse sinal?
Sem dúvida. Já nestas horas as palavras de Obama são analisadas com cuidado. De fato, aos olhos dos islamistas, a combinação Estados Unidos-Israel constituía um legado dos Cruzados. A relação com o Islã foi duramente atingida, primeiramente, pelos atentados do 11 de setembro, realizados por islâmicos radicais, e, segundo, pela obra de Bush, pela invasão do Iraque, por Guantánamo. A nova mensagem é que Israel e a sua segurança permanecem centrais, mas o mundo muçulmano adquire uma importância toda particular.
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