O ministro da Justiça, Tarso Genro, ao comentar a manifestação de "assombro" do presidente da Itália em carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra a concessão de status de refugiado ao italiano Cesare Battisti, afirmou ontem à Folha que o Brasil cumpriu a Constituição ao adotar a medida que evitou a extradição.
A reportagem e a entrevista são de Graciliano Rocha e publicadas no jornal Folha de S. Paulo, 19-01-2009.
Segundo Tarso, a negativa de devolver Battisti - ex-militante da organização Proletários Armados para o Comunismo condenado por quatro homicídios no fim dos anos 70 - tem base na legislação do país, assim como a recusa da Itália em extraditar o ex-banqueiro ítalo-brasileiro Salvatore Cacciola, condenado no Brasil por supostos crimes financeiros.
Apesar da concessão do status de refugiado ao italiano, o STF (Supremo Tribunal Federal) ainda não determinou a extinção do processo de extradição iniciado pelo governo da Itália e a consequente libertação de Battisti, requeridas pela defesa dele no último dia 15. Antes de decidir sobre o caso, o presidente do STF, Gilmar Mendes, pediu uma manifestação da Procuradoria Geral da República sobre o tema, medida considerada tecnicamente correta por Tarso Genro.
Eis a entrevista.
O presidente da Itália, Giorgio Napolitano, enviou uma carta ao presidente Lula expressando "assombro" com a concessão do refúgio a Cesare Battisti. Como o sr. analisa a reação italiana? Isso pode criar um problema entre os países?
É perfeitamente natural. São relações entre Estados e o presidente da Itália expressou uma posição. Agora, nós aplicamos corretamente a legislação e a Constituição do país, assim como a Itália faz ao não extraditar criminosos comuns, como o Cacciola, por exemplo, que tinha dupla cidadania. Tivemos que trazê-lo de Mônaco [extraditado em julho de 2008], e isso que estou manifestando não significa que não respeite a Itália.
Também houve reações internas. O presidente do STF, Gilmar Mendes, afirmou que a decisão do refúgio foi um "ato isolado" do sr. e mandou a Procuradoria Geral da República se manifestar sobre a libertação de Battisti.
Quando o presidente do Supremo [Tribunal Federal] fala em ato isolado, ele se refere estritamente à concessão do refúgio como um ato administrativo do ministro. Não é juízo de valor do meu ato, como eu também não faço do dele. Ele agiu corretamente ao pedir à Procuradoria que se manifeste sobre o assunto. Do ponto de vista processual, está correto.
O governo pode rever a concessão do refúgio?
É preciso considerar que a decisão brasileira está baseada em vários pontos. Primeiro, o governo italiano considera que ele [Battisti] cometeu crime contra o Estado, um crime político. Depois, levamos em conta que ele permaneceu 11 anos e meio com status de asilado político na França, que foi concedido pelo então presidente Mitterrand. E o Brasil tem uma tradição jurídica liberal no que se refere a asilos. Tanto à direita quanto à esquerda. Já acolhemos o general Bidault [que planejou uma tentativa de assassinato contra o presidente francês Charles De Gaulle no início dos anos 60], o general Stroessner [ditador paraguaio entre 1954 e 1989], o padre Medina [ex-integrante das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]. O que está havendo agora é uma reação ideológica pelo fato de Battisti ter sido um militante da ultraesquerda. Não houve nenhum debate jurídico até agora, mas um exame ideológico da questão.
O governo brasileiro adotou pesos diferentes para conceder o refúgio a Battisti e na devolução dos boxeadores a Cuba em 2007?
Não, naquela oportunidade o governo brasileiro deu refúgio. Os que pediram para ficar ficaram. Os boxeadores não pediram para ficar. Se não permitíssemos que eles deixassem o país, seria um sequestro, porque eles disseram à Polícia Federal, à OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e ao Ministério Público que queriam sair . Não foi dado o devido destaque a atletas e músicos cubanos que pediram para ficar e ficaram, usando os mesmos critérios usados para o Battisti.
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