"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sexta-feira, março 13, 2009

Armas em troca de matérias-primas: China defende ditador do Sudão

Instituto Humanitas Unisinos - 07/03/09

Para defender o ditador do Sudão acusado de crimes de guerra, a China coloca em campo o seu peso político e econômico, e também seu status especial como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O preço da imagem que Pequim sabe que irá pagar – a indignação da opinião pública ocidental – é pouca coisa frente aos dividendos dessa operação.

A reportagem é de Federico Rampini, publicada no jornal La Repubblica, 06-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Interesses econômicos, influência política, expansionismo militar: toda a estratégia neo-imperial da República Popular está visível na tragédia do Sudão. A China compra dois terços do petróleo do Sudão. Em troca, dá generosos fornecimentos de armas ao regime de Omar al-Bashir. Do Sudão oriental parte um oleoduto de 1.500 km que chega ao Mar Vermelho, onde uma procissão constante de superpetroleiros chineses faz o transporte aos portos de Hong Kong e Xangai, às petroquímicas e às fábricas de Guangdong. Nenhuma campanha humanitária – nem a ameaça de boicote das Olimpíadas do ano passado – afetaram a sua relação preferencial com um precioso fornecedor de energia.

O negócio sudanês inclui interesses ramificados para os líderes de Pequim. Na frente diplomática, os dirigentes comunistas chineses sabem que a sua posição, impopular no Ocidente, é popular entre os regimes não-liberais do Terceiro Mundo: uma fina constituição que está pronta a devolver o favor.

Pequim coloca impedimentos contra o direito de ingerência humanitária em nome da “não-interferência nos assuntos internos” dos Estados soberanos. Em troca, a China mobiliza uma ampla frente de solidariedade entre os países emergentes toda vez que os seus abusos contra os direitos humanos terminam sob acusação, por exemplo, com relação ao Tibet. Quando, no mês passado, o Conselho de Direitos Humanos da ONU inspecionou o dossiê Pequim, as tímidas críticas ocidentais foram sufocadas por um coro filochinês de aliados africanos, asiáticos e latino-americanos.

A recessão não distrai os dirigentes chineses dos seus objetivos estratégicos de longo prazo: o acesso a todas as áreas do planeta ricas em energia, matérias-primas e safras agrícolas; a conquista de novos mercados; a potencialização de um dispositivo militar capaz de se projetar em um longo raio em todas as áreas vitais para os interesses da China. As reservas petrolíferas do Sudão junto com todo o Nordeste Africano estão na mira da expansão chinesa. É visível o papel da marinha chinesa nas operações antipirataria ao longo da Somália: ali opera o contingente naval do almirante Du Jingchen, que, do Golfo de Áden, preside as rotas cruciais entre o Oceano Índico e o Mediterrâneo, insidiando uma área historicamente importante para a América e a Europa.

O Sudão é uma peça pequena nesse vasto mosaico. Assim como a influência ocidental se enfraqueceu no continente negro, Pequim aproveitou a toda oportunidade para substituí-la em todos os setores: comércio exterior, investimentos para a construção de infraestrutura, ajudas financeiras, fornecimentos militares. O intercâmbio entre o colosso asiático e os seus parceiros africanos cresceu em 1.000% em uma década. Pontas de lança da penetração na África são os potentes conglomerados de Estado ligados ao Exército Popular de Libertação, como Norinco e Poly Group. A conquista da economia africana é celebrada em nome da ajuda ao desenvolvimento, da amizade entre os povos: a China se apresenta como um modelo de modernização autoritária que seduz as ditaduras do Terceiro Mundo. Há anos, é tradição que o presidente chinês, logo depois do fim de ano lunar, parta para uma turnê diplomática africana.

Não há exceção no Ano do Boi: Hu Jintao inaugurou 2009 com uma visita à Arábia Saudita logo depois de quatro etapas africanas, Senegal, Mali, Tanzânia e Maurícia. Simultaneamente, o ministro do Exterior Yang Jiechi visitava Uganda, Ruanda, África do Sul e Malawi. Na Tanzânia, o último negócio em destaque dos chineses é a aquisição de 50% da companhia aérea do Estado. O veículo financeiro usado por Pequim para esse investimento é um protagonista importante do expansionismo chinês: Sonangol International, uma joint-venture entre a República Popular e Angola, outro fornecedor de petróleo. Na República Democrática do Congo, o governo chinês lançou um “plano Marshall” de nove bilhões de dólares: o país controla 10% de todo o cobre mundial e um terço dos recursos planetários de cobalto.

Nada de novo. É a mesma política adotada pelos EUA nos últimos 60 anos.


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