"É sábia a opção popular de residir próximo ao local de trabalho", escreve Carlos Lessa, economista, ex-presidente do BNDES, em artigo publicado no jornal Valor,11-03-2009. Segundo ele, "é natural que todos aqueles para quem a "carteira assinada" é uma miragem queiram estar próximos à clientela que busca seus serviços. Sem uma radical modificação de prioridades, a logística urbana estará condenada pela população mecânica de veículos automotores que se expande as taxas superiores ao crescimento da população. Uma nova família urbana necessita de uma residência com, pelo menos, 50 m2, enquanto que um novo veículo automotor exige, para circulação e estacionamento, pelo menos novos 30 m2 de malha viária".
Para Carlos Lessa, "um modelo de crescimento que privilegie o veículo automotor está em conflito com um modelo de crescimento que pretenda a melhoria da residência popular. Esta é uma opção estratégica a ser feita pelos condutores da política econômica".
Eis o artigo.
A mídia vem divulgando a intenção do governo federal de lançar um programa de habitação popular de dois milhões de unidades residenciais a serem construídas até fins de 2010. O formato e o modo de execução do programa não foram, até o momento, divulgados pela mídia. Atuar no setor da construção civil como política anticrise é extremamente correto, pois este setor emprega muita mão-de-obra com variados níveis de qualificação, utiliza materiais parcialmente disponíveis nas proximidades dos canteiros (areia, saibro, brita etc.) ou disponibilizados por ramos industriais que vão da grande à pequena empresa. Aço, cimento e cerâmica fina estão no primeiro caso; produtos de olaria e carpintaria, no segundo.
O problema da habitação própria é o principal objeto de desejo familiar. O esforço por melhorar a habitação é permanente. Nesta perspectiva, a habitação popular é sempre um projeto para cada brasileiro, mesmo os de renda baixa e precária, ou seja, a maioria das famílias. Como carioca, sempre percebi a favela não como problema, mas como a solução habitacional possível para um popular desassistido. Como militante da candidatura Ulysses Guimarães, acompanhei a gestação de seu compromisso de converter cada favela brasileira em um bairro popular. A administração César Maia lançou o Programa Favela-Bairro; produziu uma extensa melhoria das comunidades do município do Rio de Janeiro. Ao criar uma diferencial favorável, estimulou a migração intrametropolitana de residentes dos municípios de periferia para as comunidades do Rio, dando origem a um movimento de verticalização, via comercialização de lages.
Está certo o governo federal em propor um programa nacional de construção de moradias populares, desde que seja complementar a um programa de melhoria das habitações populares que as famílias de baixa renda já edificaram. Se houvesse um programa de financiamento de material de construção para as famílias de baixa renda, com juros baixos e prazos longos, haveria uma intensificação de atividade popular. O acesso ao programa deveria ser simplificado e dispensada a garantia imobiliária.
É colossal o número de residências populares que não dispõem de documentação definitiva sobre a posse do terreno e que podem ser melhoradas. Cada família definiria o que pretende e, ao mesmo tempo, deveria haver uma presença municipal auxiliando dúvidas arquitetônicas e de engenharia e servindo de canal de acesso ao órgão financiador. É imediata a ideia de que organismos financeiros federais deveriam ser acionados - Caixa Econômica Federal (CEF), Banco do Brasil (BB), bancos regionais e os sobreviventes bancos estaduais.
O Brasil tem uma urbanização superior a 80% da população e nas 10 regiões metropolitanas reside mais da metade dos brasileiros. Obviamente, o programa de habitação popular tem de ser diferenciado pelo tipo de município e tamanho da população residente na aglomeração urbana. O governo Lula, de maneira correta, vem executando o Programa Luz para Todos, que se propõe a universalizar acesso a energia elétrica às residências brasileiras, não importando o rincão rural e a dificuldade técnica para disponibilizar energia elétrica. Cada residência suprida transporta a família para o umbral da civilização moderna.
Em relação às pequenas e médias aglomerações urbanas, a proposta da habitação popular terá que resolver dois problemas: a disponibilidade de terras edificáveis e a infraestrutura básica de água, esgoto etc. Municípios e governos estaduais podem identificar terras públicas e/ou devolutas que sirvam para a construção de habitações. O lote edificável que reduza o custo do metro quadrado à família popular deveria ser vendido a baixo custo com subsídio explícito.
Nas regiões metropolitanas se condensa a maior demanda de habitação popular e nelas se acumulam os problemas sociais. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) deveria ter assumido e priorizado a questão do transporte intraurbano sobre trilhos. Esta é a infraestrutura que amplia a superfície edificável. É sabido que o tempo de deslocamento residência-trabalho-residência é degradante da qualidade de vida do popular usuário de transporte coletivo. Insistir na solução ônibus e outros veículos movidos por motor a explosão é degradar adicionalmente a qualidade de vida de todos, inclusive da classe média que é submetida em seu veículo próprio a torturantes congestionamentos; em sua ida ao trabalho e retorno à residência, somente o arquimilionário com helicóptero escapa do desgaste metropolitano.
É sábia a opção popular de residir próximo ao local de trabalho. É natural que todos aqueles para quem a "carteira assinada" é uma miragem queiram estar próximos à clientela que busca seus serviços. Sem uma radical modificação de prioridades, a logística urbana estará condenada pela população mecânica de veículos automotores que se expande as taxas superiores ao crescimento da população. Uma nova família urbana necessita de uma residência com, pelo menos, 50 m2, enquanto que um novo veículo automotor exige, para circulação e estacionamento, pelo menos novos 30 m2 de malha viária.
Um modelo de crescimento que privilegie o veículo automotor está em conflito com um modelo de crescimento que pretenda a melhoria da residência popular. Esta é uma opção estratégica a ser feita pelos condutores da política econômica.
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