Jean Marie Nomertin, líder do movimento LKP (Liyannay kon pwofitasyon [Coletivo Contra a Exploração], relata a greve contra a exploração e o alto custo de vida – a mais longa na França há 20 anos – que ocorreu nos departamentos ultramarinos do dia 20 de janeiro passado e que encerra hoje. Nasce uma nova força popular.
A reportagem é de Geraldina Colotti, publicada no jornal Il Manifesto, 05-03-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Conclui-se nesta quinta, 05, em Guadalupe [departamento francês no Caribe] a greve geral que durava desde o dia 20 de janeiro e que uniu, na reivindicação principal de 200 euros mensais líquidos de aumento salarial, todas as ex-colônias francesas das Antilhas, hoje departamentos ultramarinos. Para a França, tratou-se da greve mais longa há 20 anos e colocou em campo uma nova força política de massa, o Liyannay kon pwofitasyon (LKP), o coletivo contra as vantagens abusivas e a exploração em Guadalupe. Um movimento composto por 46 organizações sindicais, associativas, políticas e culturais, unidas em uma ampla e articulada plataforma que tocou todos os âmbitos da sociedade.
Um novo modelo de democracia caribenha? Falamos sobre isso com Jean Marie Nomertin, dirigente sindical da Confederation Generale des Travailleurs de Guadaloupe (CGTG), o segundo sindicato do país. Nomertin é porta-voz do movimento junto com Elie Domota, secretário-geral da Union Générale des Travailleurs de Guadeloupe (UGTG), que defende a independência da França.
“A nossa plataforma – diz Nomertin – previa três níveis de demandas relativas ao custo de vida. As imediatas foram em boa parte satisfeitas: a redução do preço dos transportes, dos aluguéis. Mas outras questões de caráter mais geral, de médio e longo prazo, ainda estão em aberto”. Diferentemente do que ocorreu ontem na Martinica, onde todas as organizações patronais assinaram o aumento de 200 euros, em Guadalupe o Medef [Movimento das Empresas da França] não aceitou. “Nas fábricas onde o Medef está presente – diz ainda Nomertin – os trabalhadores ainda estão em greve”.
Nomertin relata os 44 dias que passaram em Guadalupe e as brasas que se escondem sob as cinzas. “O elemento desencadeador desse longo conflito – lembra – foi o aumento do preço dos combustíveis, que fizeram explodir o descontentamento popular. No início de dezembro de 2008, um grupo de motoristas de transporte bloqueou por três dias todas as estradas do país, pedindo a redução dos preços”.
A demanda foi aceita, mas existe um truque, porque, explica Nomertin, “a sociedade de refinamento Sara, que tem o monopólio da distribuição dos produtos petrolíferos nas Antilhas, havia obtido em troca três milhões de euros em subvenções das entidades locais: as pessoas pensaram que, com essa injeção de dinheiro público, a diminuição de preço havia se financiado sozinha”
Assim, ao longo dos meses, as manifestações recomeçaram, apoiadas pelos sindicatos, alcançados rapidamente por outras organizações da sociedade civil. Os protestos mostram o rosto de um país duplamente penalizado pela crise econômica: em Guadalupe, na Martinica e em todos os departamentos ultramarinos, a média dos salários é claramente inferior às dos franceses “da metrópole” (como se diz nos departamentos), enquanto o custo da vida é superior em 30% ou 40%. Entre 2007 e 2008, o preço da manteiga aumentou até em 59%, o do leite em 48%, e o da massa em até 87%. O preço da gasolina é cinco vezes mais caro do que em Paris.
Um protesto "kon pwofitasyon", contra todos os que se aproveitam: das multinacionais francesas que impõem monopólios e tarifas abusivas, às grandes famílias de comerciantes, cujos ganhos – diz Nomertin – “são escandalosamente altos em razão da extorsão da grande distribuição”. Um pequeno grupo de franceses brancos nascidos no Caribe, os chamados békés, domina os setores mais importantes da economia. “Esses bekés, herdeiros dos seus antepassados escravistas, constituem um potente lobby que tem uma relação direta com o governo de Paris, onde se tomam todas as decisões – explica Nomertin. Não contentes em dominar completamente a economia da Martinica e mais de um terço da economia de Guadalupe, não têm escrúpulos em mostrar o próprio desprezo, a própria arrogância, o próprio racismo”. Um exemplo? O grupo Bernard Hayot, descendente de uma família de colonos reunidos na Martinica em 1680, herdeiro de um patrimônio constituído nas plantações escravistas para o cultivo do açúcar. Entre os anos 60 e os 80, Hayot se tornou uma multinacional da grande distribuição e da distribuição de automóveis, que opera das Antilhas à África do Norte, e cuja rotação de estoque nos departamentos ultramarinos duplicou em apenas seis anos. Para o LKP, Hayot é um dos responsáveis pela dependência de Guadalupe e Martinica a “uma economia dos containeres” que impede um real desenvolvimento econômico.
“O domínio dos brancos – diz Nomertin – é visível em todas as altas esferas da administração e das empresas. As forças de repressão francesas estão sempre aqui, para proteger os interesses dos exploradores, dos proprietários bekés e de outros capitalistas”. E a independência, então? “A independência não está na ordem do dia – diz Nomertin. Quando for o caso, se isso ocorrer, o povo a expressará claramente e sairá às praças”. Em 2003, em Guadalupe, 72% haviam votado contra a ampliação da autonomia. Hoje, porém, a condição estatutária das Antilhas parece pelo menos obsoleta.
“Desde quando, no dia 20 de janeiro, lançamos a palavra de ordem da greve geral – diz Nomertin com orgulho – vimos milhares de manifestantes pelas estradas: 50 mil ou 60 mil pessoas em um país de 420 mil habitantes. Aos trabalhadores de todas as categorias, coluna central do movimento, se somaram outros setores sociais. As mulheres tiveram um papel proeminente”.
Uma grande frente anticapitalista, capaz de colocar em jogo também aquela parte da sociedade que vive de assistência e de pequenos empregos, destinada a emigrar rumo “à metrópole”. Um movimento do próprio operariado que pede respostas de todas as instâncias do poder político, administrativo e empresarial. A crítica do LKP – diz Nomertin – é uma crítica que “investe em todos os campos da sociedade: da educação ao direito, ao governo do território, ao ambiente, às liberdades”. A plataforma em 10 capítulos do LKP contém 146 reivindicações. Só um capítulo se refere ao custo de vida. Frente a uma força semelhante, as contrapartes são obrigadas a negociar.
Sobre os 200 euros, as negociações conheceram diversas fases. Nomertin explica: “O prefeito e as autoridades locais, enfim, tiveram que constatar que, sobre algumas questões, a intervenção do Estado era útil”. Quinze dias depois do início da greve, houve o encontro com o secretário de Estado encarregado pelo departamento de Yves Jego. Um acordo parecia aceitável ao LKP: previa um aumento de 200 euros, cobertos em parte pelas subvenções e pelas exonerações de taxas permitidas pelo Estado. “Depois que o acordo foi redigido e formalizado na presença de Jego – afirma Nomertin –, ele foi bruscamente chamado a Paris pelo governo, que declarou que ele não podia substituir o patronato para aumentar os salários. Frente a essa má vontade da outra parte, intensificamos as ações de protesto”.
Todas as estradas de Guadalupe foram bloqueadas por manifestantes apoiados pela população. Os agricultores trazem os seus produtos à cidade, os pescadores, o peixe. Divide-se o que há, inclusive o alimento coletado nos grandes centros comerciais. Relata Nomertin: “Houve cenas de guerrilha urbana. Bandos de jovens desesperados enfrentaram a polícia à noite, incendiaram os negócios e os esvaziaram. Viram-se também jovens armados, bem organizados e com toucas. Chegamos a um passo da insurreição geral”. Do lado do governo, dos patrões e das coletividades locais, todos estavam aflitos para encontrar soluções.
Foi nesse momento que um manifestante do LKP foi morto no seu carro. Só recentemente um suspeito foi preso. Nos funerais do sindicalista, havia uma grande multidão. “O conflito – explica Nomertin – colocou em prática também aquilo que nas Antilhas chamamos de greve marchante, a greve em movimento, uma tradição que remonta ao século passado. Os manifestantes, em grandes grupos, examinam todas as zonas e vistoriam todas as fábricas para assegurarem-se de que a palavra de ordem da greve geral seja respeitada por todos e para convencer os céticos”.
Depois do acordo sobre os 200 euros alcançado com todas as organizações patronais, menos com o Medef, Nomertin perguntou em crioulo [língua local] à multidão se queria voltar ao trabalho no dia seguinte ("Ka nou ka fè dèmen?". Quatro mil vozes gritaram: "Nou pa ka travay!", não voltamos). “Quando o aumento for aplicado em um certo número de empresas – diz NomertinMedef, que propõe só uma premiação, se tornará insustentável. A nossa luta agora é a de impor a aplicação do acordo para todos”. –, a posição do
A greve marchante ainda está a caminho. “Desejamos – diz Nomertin – que se estenda também para a França e para a Europa. Acontecerá, vocês irão ver, que os trabalhadores não suportarão os efeitos catastróficos da crise capitalista sem lutar”.
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