Em artigo para o jornal La Repubblica, 07-03-2009, o sociólogo britânico Anthony GiddensLondon School of Economics e ex-professor de Cambridge, Giddens afirma que, "se a recessão for profunda e de longa duração, ela poderia ter duras consequências no plano social. [...] Essa evolução poderia colocar em risco a própria democracia e conduzir a refluxos de autoritarismo e populismo, circunstâncias que, geralmente, favorecem o governo da direita". A tradução é de Moisés Sbardelotto. analisa a realidade de esquerda mundial no panorama da crise. Professor emérito da
Eis o artigo.
Na grande maioria dos países europeus, a direita está hoje no poder. O continente inteiro, enfileirado com o resto do mundo industrializado, foi sacudido por uma grave crise econômica. Que perspectivas a esquerda tem para se levantar novamente? O advento da recessão lhe dará oportunidades para se reconstituir e se recuperar?
À primeira vista, a resposta à segunda pergunta parece um sim. Eis por que:
1. A crise dos mercados financeiros é um sinal evidente e catastrófico da falência do mercado. Presumia-se que a liberalização dos mercados levaria a uma distribuição eficaz dos recursos em vantagem da produção de riqueza. Ao invés disso, levou ao deslocamento e à ruína. Uma das teses clássicas da esquerda, a saber, que os mercados têm necessidade de uma regulamentação atenta, voltou à tona.
2. Pode-se acrescentar a isso que os mercados deixados sem limites podem ter impactos desastrosos no ambiente em geral. Nick Stern, autor do famoso Relatório Stern sobre as mudanças climáticas, defende que o avanço do reaquecimento global representa “o exemplo máximo de falência do mercado ao qual jamais se assistiu”.
3. Existem, portanto, as bases para um retorno do Estado e para a intervenção ativa na vida econômica, também estes parte do terreno clássico da esquerda. É provável que, no futuro, os mercados financeiros desempenhem um papel mais limitado com relação ao passado na economia no seu complexo.
4. Nas últimas duas ou três décadas, vimos uma fase de expansão da desigualdade que até países igualitários como os Estados escandinavos sofreram para frear. Essa tendência poderia ir ao encontro de inversões no momento em que são colocadas as rédeas aos mercados, submetendo-os a um maior controle. A opinião pública mudou decisivamente de atitude, posicionando-se contra os níveis de retribuição absurdos dos quais as elites financeiras e outras altas esferas de administração desfrutam. Hoje, os governos apoiam a ação de colocar limites às compensações exageradas.
5. O mesmo vale em nível internacional para a regulamentação dos paraísos fiscais. Enormes somas de dinheiro que deveriam ir para o fisco para o bem social se espalham pelo mundo. No período da desregulação, muito pouco foi feito para fechar ou regulamentar os paraísos fiscais, mas hoje existem pressupostos mais válidos para uma ação coordenada em nível internacional.
6. O presidente Obama, recém empossado, está tomando a iniciativa em alguns desses temas. Se a sua presidência se revelar eficaz, ou ainda melhor, se souber entusiasmar, poderemos ter um “efeito Obama” na centro-esquerda européia, como se teve um positivo “efeito Clinton” ao redor do ano 2000, que estimulou a esquerda em outros países. Na época, como se notou, em 13 dos 15 países membros da União Européia governos ou coalizões de centro-direita estavam no poder.
Deveremos, portanto, esperar que, com a deterioração da economia, prosperem os partidos de centro-esquerda? A situação não é assim tão clara, porque existem ainda fortes aspectos negativos. Sobretudo, é necessário pensar em nível intelectual e político para mostrar em que consistirá o “retorno do Estado” e para criar políticas às quais a opinião pública responda positivamente. Na ausência de um novo modo de pensar, o Estado não será capaz de garantir uma gestão mais eficaz da atividade econômica com relação ao passado.
Se a recessão for profunda e de longa duração, ela poderia ter duras consequências no plano social, agravando as tensões étnicas e sociais já existentes. Essa evolução poderia colocar em risco a própria democracia e conduzir a refluxos de autoritarismo e populismo, circunstâncias que, geralmente, favorecem o governo da direita. Entretanto, existe o risco muito real que a situação atual provoque divisões na esquerda, com um reforço da esquerda extrema anticapitalista. Em vários países, inclusive obviamente a Itália, existem já cisões significativas entre os partidos de esquerda.
Portanto, é provável que tudo isso tenha um êxito misto. Se a crise se revelar duradoura, qualquer governo no poder cairá. Mesmo se os pacotes de estímulo introduzidos em grande parte dos países se demonstrem adequados, será necessário tempo para que deem fruto. Enquanto isso, é provável que a raiva dos eleitores se reverta contra quem se encontra no poder no momento em que a situação econômica pareça direcionada a uma piora. O governo de centro-esquerda mais longevo da Europa, o Labour no Reino Unido, tem, aparentemente, poucas possibilidades de ser reconfirmado nas urnas para aquilo que seria o quarto mandato. O mesmo poderia valer para os seus homólogos na Espanha e em Portugal.
Mas se poderia verificar um final surpreendente. Justamente os sucessos eleitores obtidos pelos governos de centro-esquerda nos últimos anos poderiam se revelar hoje contraproducentes para a esquerda. Ela será a mais atingida se se demonstrar que é verdade que os governos no poder estão particularmente em risco em uma situação de turbulência econômica.
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