Immanuel Wallerstein é a principal figura da análise de sistemas-mundo, talvez a perspectiva teórica de inspiração marxista mais influente nas Ciências Sociais desde os anos 1970. Esteve em Madri e Barcelona convidado pela Universidade Nômade. Depois de participar de um ato na Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Universidade Complutense que contou com a participação de mais de 600 pessoas entre estudantes e professores, teve alguns minutos para responder às perguntas deste jornal.
O nova-iorquino Immanuel Wallerstein (1930) é autor de O moderno sistema-mundo, obra em três volumes que traz um modelo interpretativo baseado tanto no marxismo como nas teorias sobre a economia mundial de Fernand Braudel. O terceiro ponto ideológico em que se baseia a teoria do sistema-mundo é a Teoria da Dependência que estabelece a divisão duradoura do mundo em núcleo, semi-periferia e periferia. Wallerstein rechaça a idéia convencional de Terceiro Mundo já que, no seu entendimento, o intercâmbio econômico cria uma rede complexa de relações. Mensalmente publica seus 'Comentários sobre a atualidade do mundo globalizado'.
Segue a entrevista que Immanuel Wallerstein, pensador, escritor e cientista social norte-americano, concedeu a Iñigo Errejón e Pablo Iglesias e está publicada no jornal quinzenal espanhol Diagonal, 22-02-2009. A tradução é do Cepat.
Interessa-nos particularmente a tua visão sobre as esperanças que devemos ter em relação ao mandato de Obama, e em que medida a sua vitória pode ser interpretada em relação à crise de hegemonia norte-americana e à percepção generalizada dessa crise.
É positivo que Obama tenha chegado à presidência dos Estados Unidos, mas não vai significar de modo algum uma mudança substancial. Atuará de forma mais inteligente que seu predecessor, o que também não é difícil. A Administração Bush, com seu militarismo direitista, precipitou a queda da hegemonia norte-americana no sistema interestatal. Diante disso, Obama pode compreender a situação e avançar para um mundo bipolar, mas em nenhum caso poderia refazer a América no sentido de reinstaurar a hegemonia dos Estados Unidos, que já é coisa do passado.
Por outro lado, diante da compreensão dos profundos problemas que a sociedade norte-americana enfrenta, Obama emerge como símbolo ilusionante para a grande maioria do país, inclusive com uma altíssima popularidade em outros países. Obama aglutina um eleitorado muito amplo, que vai desde a esquerda (salvo alguns grupos minoritários) até a centro-direita, e não poderá responder às expectativas de todos, nem opor-se frontalmente aos desafios sistêmicos que ultrapassam em todo caso a sua capacidade de ação. Trata-se de um homem jovem, inteligente e bem formado. Além disso, é afro-americano, o que constitui um símbolo que não se pode esquecer, de extrema importância. Tudo isso é positivo, mas não é suficiente. É preciso ser realista a esse respeito, e contextualizar as possibilidades de mudança realmente existentes. Obama é o melhor presidente que os Estados Unidos poderiam ter nesse momento, mas não deixa de ser o presidente dos Estados Unidos, uma potência hegemônica em declive num sistema-mundo em crise estrutural.
Em que medida as turbulências sistêmicas que vivemos podem produzir uma mutação do capitalismo? Marcam elas um limite definitivo do capitalismo como sistema histórico?
Para ler corretamente a etapa histórica na qual nos encontramos, temos que distinguir entre as dinâmicas de continuidade e as de ruptura, entre o normal e o excepcional. O normal é o colapso do modelo especulativo que vivemos, que corresponde a uma Fase B nos ciclos de Kondratieff, que descrevem as dinâmicas de longo prazo na acumulação capitalista. O excepcional é a transição que há trinta anos vínhamos vivendo, desde o sistema-mundo capitalista para outra formação sócio-histórica. No meu modo de pensar podemos estar certos de que em 30 anos não viveremos no sistema-mundo capitalista. Nesse sentido, com a crise conjuntural do capitalismo, converge uma crise estrutural, um declive histórico do sistema-mundo. Nisso se distingue esta fase de recessão econômica mundial de outras anteriores: o novo sistema social que sair desta crise será substancialmente diferente. Se irá evoluir num sentido democrático e igualitário ou reacionário e violento é uma questão política e, portanto, aberta: depende do resultado do conflito entre o que chamo de “espírito de Davos” e “espírito de Porto Alegre”. Em outras palavras, da inteligência e do sucesso político dos movimentos anti-sistêmicos.
Dada a importância que as chamadas “externalidades” tiveram, as apropriações privadas não pagas de bens comuns tais como os recursos naturais e ecológicos, como avalia a tentativa de Obama e de sua Administração de abrir um novo processo de expansão através de um “capitalismo verde”?
Obama tem como virtude a sua inteligente apreciação do problema ecológico. O que puder fazer sobre isso, no entanto, está condicionado pelas nomeações que fez e pelas suas escassas possibilidades de cooperação com outros países neste sentido, dentro de um marco geral de pragmatismo. Seja como for, o problema é enorme e escapa às hipotéticas políticas ambientais de um governo, inclusive do norte-americano. Faz-se necessário uma mudança de modelo produtivo e, acima de tudo, civilizatório. Devemos viver de outra forma, aproveitar a transição para outro sistema para optar por algo diferente. Os cidadãos norte-americanos, assim como os espanhóis, costumam perceber as atuais ameaças quase exclusivamente como redução do seu nível de vida, ao passo que corremos o risco global, tanto nos países ricos como nos pobres, de viver num mundo ecologicamente destruído, que coloque em perigo a sobrevivência coletiva.
Pode a queda da hegemonia norte-americana abrir um espaço para a emergência da União Europeia como maior potência mundial?
A Europa tem certa autonomia política, mas atravessa um período muito complexo por tendências muito diferentes que estão se dando em seu interior. A crise financeira está dificultando ainda mais o processo de construção europeia (imprescindível para que possa competir como potência mundial). O colapso econômico que está se tornando visível na Grécia, Itália, Espanha, Islândia, etc., está gerando tendências protecionistas muito sérias. Veremos se a Europa pode enfrentar as circunstâncias atuais. O processo de construção da União Europeia se complicou com a sua expansão aos países do Leste europeu e agora está pagando o preço.
De que maneira a crise pode impactar as experiências de virada à esquerda na América Latina?
O aspecto mais positivo da presidência de Bush foi constituir o melhor estímulo para a integração latino-americana. Não é casual que nestes anos tenham surgido presidentes mais ou menos de esquerda em 11 ou 12 países da região. É simplesmente impressionante. O fato de que os Estados Unidos estejam tão enlameados no Oriente Médio, faz com que careça da capacidade militar, política e econômica para interferir na político latino-americana. Atualmente, a América Latina exerce um papel político autônomo e este é um dado irreversível. Está claro que a política de Chávez não é a de Bachelet, nem tampouco a de Lula, mas, seja qual for, a América Latina é uma força geopolítica independente em que o Brasil, sem dúvida, é o primus inter pares, como demonstram os sucessos em sua política exterior. Exemplo disso foi seu papel, crucial, nas reuniões da Unasul, do Grupo do Rio, etc., que constituem uma verdadeira declaração de independência. Infelizmente, o papel exterior, que julgo positivo, não veio acompanhado de uma política interna mais de esquerda.
Os trabalhadores migrantes estão se convertendo em bode expiatório dos comportamentos políticos mais reacionários. Como enfocas este problema?
A imigração, que prefiro chamar de migração, não seria um problema num mundo relativamente igualitário, pois a maior parte das pessoas prefere viver ali onde nasceu ou, em todo o caso, onde tem vínculos culturais de pertença. Aqueles que migram o fazem para melhorar a sua situação econômica e política, e os empresários se beneficiam desse caudal de mão-de-obra comparativamente mais barata que a dos países receptores. O problema das migrações não pode ser resolvido dentro deste sistema, nem nos marcos estatais ou com atuações policiais, pois é provocado pela imensa polarização econômica, social e política no mundo. Enquanto esta não desaparecer, não teremos soluções definitivas para o problema das migrações.
Quais são os sinais mais esperançosos em chave de emancipação e quais os piores indicadores de possíveis involuções reacionárias ou de maior violência sistêmica?
A situação mais positiva provém da América Latina. Ao contrário, onde encontro mais perigos no plano geopolítico é no Paquistão. Obama está se equivocando com sua política em relação a este país. O Governo paquistanês, seguindo as pressões dos Estados Unidos, pode provocar uma situação perigosa. Não se pode esquecer que o Paquistão é um país com armamento nuclear em tensão permanente. A política de Obama não é bem pensada para o Paquistão. Obama quer mostrar-se forte e duro. Para mim, é um erro. Deveremos estar atentos à evolução dos acontecimentos nos próximos meses.
Frantz Fanon, que foi uma das tuas referências teóricas, reivindicou o poder do nacionalismo como via de libertação nos países do Terceiro Mundo. Pode o nacionalismo ser um mecanismo de emancipação nos países ricos?
Todos os nacionalismos são a mesma coisa. Quando são reivindicações contra o poder, não importa que poder, são progressistas. No entanto, no momento em que conquistam o Estado, os nacionalistas se tornam de direita. É algo normal, acontece em todos os lugares. Por isso, não há nacionalismos bons e nacionalismos maus. Os nacionalismos que lutam para obter direitos podem implicar avanços positivos, mas no momento em que obtêm esses direitos perdem a sua força transformadora, na Espanha, nos Estados Unidos e em qualquer parte do mundo. É disso que Fanon se deu conta e por isso defendeu o panafricanismo como continuação das lutas de libertação nacional.
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