"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

sábado, março 14, 2009

A essa altura, a principal alavancagem é fiscal

Instituto Humanitas Unisinos - 12/03/09

Um estudioso de sistemas monetários e financeiros, o economista Fernando Cardim de Carvalho, da UFRJ, acredita que um corte de juros, agora, é pouco eficaz porque já houve “um colapso da confiança”. O BC chegou atrasado, diz Carvalho. Na sua opinião, é preciso ampliar investimentos públicos.

A entrevista é de Luciana Rodrigues e publicada pelo jornal O Globo, 12-03-2009.

Eis a entrevista.

Como o senhor avalia a eficácia do corte de juros diante da crise atual?

A política monetária, neste momento, tem importância secundária. O que não quer dizer que não foi bom os juros terem sido reduzidos e que não seria melhor se o corte fosse ainda maior. Mas a política monetária atua sobre agentes privados, sobre a decisão de empresários e consumidores. E, neste momento de colapso da confiança e do otimismo, surte pouco efeito. A essa altura da crise, a principal alavancagem é fiscal. É preciso uma atuação mais agressiva para sustentar a demanda, e só quem pode ser agressivo o suficiente é o governo. Então, o grande papel da política monetária é reduzir os encargos do endividamento público e, assim, aumentar a latitude da política fiscal.

É preciso mais gastos públicos?

É preciso mais investimentos públicos. Já passou a hora da política monetária. Teria surtido efeito em setembro ou outubro, quando o setor privado ainda estava disposto a investir e consumir, mas houve a contração do crédito. Agora, a preocupação dos consumidores é com o emprego, e a dos empresários, com a ociosidade de suas indústrias. E o setor bancário não vai emprestar mais só porque os juros caíram, até porque não vai emprestar para quem pode ir à falência ou perder o emprego. E também não haverá demanda por esse crédito. Até nos EUA o momento da política monetária já passou.

Então deveríamos seguir aqui o exemplo do presidente Barack Obama e ampliar investimentos públicos?

Sim, porém com muito mais liberdade, porque lá o presidente precisa da aprovação do Congresso para cada novo gasto. Aqui, nossos investimentos públicos são muito baixos, de 2% ou 3% do PIB. E este é o gasto público mais eficaz do ponto de vista de aumentar a demanda da economia. Existem mil boas justificativas para as políticas sociais mas, do ponto de vista de incentivar a economia, esse gasto não é tão importante quanto o investimento público. Quem recebe uma ajuda do governo, num momento de crise, pode optar por guardar, ou emprestar para um parente em dificuldades. Mas investimento público significa mais compra de asfalto, de maquinário, de força de trabalho.

Com a economia crescendo menos, a arrecadação deve cair. Será necessário reduzir a meta de superávit fiscal para ampliar os investimentos públicos?

Essa é uma discussão precipitada. Se a economia vai crescer menos, e será inevitável uma contração no PIB este ano, o corte de juros também vai diminuir as despesas financeiras, que hoje são enormes. O ideal neste momento é continuar reduzindo a Selic e talvez nem seja necessário reduzir a meta de superávit fiscal, porque a economia com encargos financeiros está longe de ser desprezível. Nossa dívida pública atrelada à Selic está perto de 40% do PIB. E uma redução dos juros acaba, indiretamente, barateando o custo dos outros títulos públicos também, por arbitragem no mercado financeiro. Um corte de 1,5 ponto percentual na Selic não é dinheiro que se jogue fora.

O senhor acredita que o corte feito pelo BC ontem poderia ter sido maior?

O corte em si, de 1,5 ponto percentual, não foi pequeno. O problema é de onde partimos, de uma taxa muito elevada. E ainda a demora que levou para isso ocorrer. Nosso Banco Central é muito lento quando se compara ao resto do mundo. Caminha a passos de cágado. Aqui, o BC se convenceu de que a atividade econômica e o emprego não é problema dele. E se vier com declarações e explicações naquele ramerrame de que está atento a sei lá o quê, aí o efeito positivo na confiança será nenhum. O problema aqui é que, cada vez que o Banco Central dá um pulo desse (ou seja, faz um corte maior de juros), fica depois um ano e meio parado para se recuperar da vertigem.

Há perspectivas de alívio na crise internacional?

Estamos indo para o terceiro ano de crise, pois os problemas do subprime americano começaram a ficar mais evidentes em março de 2007. Isso em si já é uma indicação de que estamos no campo da excepcionalidade. Estamos muito mais próximos do que ocorreu na década de 30 (a Grande Depressão) do que em qualquer crise anterior. Os EUA não devem se recuperar antes de 2010 ou 2011. A União Européia, que não tinha entrado ainda no abismo, começa a mostrar um colapso em Alemanha e França. Os novos países do bloco estão falidos. Há problemas bancários na Itália e na Áustria. Este é o segundo ato da crise.

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