"Pondo de lado os mais prementes problemas da moderna economia e fracassando na comunicação das limitações e das hipóteses contidas nos seus modelos mais populares, a profissão dos economistas tem certa responsabilidade na produção da crise atual", escreve Antonio Delfim Netto, professor emérito da FEA-USP, em artigo publicado no jornal Valor,10-03-2009, citando os autores "A Crise Financeira e o Fracasso Sistêmico da Economia Acadêmica". Segundo Delfim Netto, "trata-se de um trágico "requiescat in pace", não para a teoria econômica, mas para o "mainstream" pré-galileliano, que se apropriou dela com imensa irresponsabilidade. Podemos voltar agora à modesta e útil economia política?"
Eis o artigo.
Em 1609, Galileu Galilei, (1564-1642) depois de ter aperfeiçoado um instrumento construído um pouco antes por óticos holandeses, produziu uma luneta que chamou de "Perspicillum". Com ela deu origem a uma revolução na astronomia. Por isso, a União Astronômica Internacional e a Unesco elegeram 2009 como o Ano Internacional da Astronomia. Qual é a profunda importância de Galileu? A resposta é simples, como nos informa o ilustre prof. Antonio Augusto Passos Videira (revista "Ciência Hoje", jan./fev. 2009: 18): "Suas descobertas contribuíram para minar a primazia da concepção aristotélica do cosmo, baseada na beleza dos corpos celestes e na imutabilidade dos céus. Em longo prazo, suas ideias - sustentadas pela matemática, por medidas e por uma retórica afiada - ergueram uma visão do mundo na qual se buscavam leis para os fenômenos naturais".
Mas qual a importância disso agora, há de perguntar-se, irritado, um daqueles economistas que se pensa portador da "verdadeira" ciência econômica? Eu também uso a matemática! A pequena diferença é que o seu "tipo" de conhecimento tem muito mais a ver com AristótelesGalileu. Em lugar de tentar entender como funciona o sistema econômico, tenta ensiná-lo como deveria funcionar em resposta à beleza dos seus axiomas... esteticamente matematizado do que com
Essa é uma crítica antiga, mas que a corrente majoritária dos economistas (que à falta de nome melhor chama-se a si mesma de neoclássica) recusava-se a considerar diante do aparente sucesso da sua teoria na "explicação" do mundo dos últimos 25 anos. A cavalar crise financeira (em parte produzida pelos equívocos propagados pela própria "teoria") desconstruiu essa ilusão. Um grupo de oito importantes economistas (todos um pouco mais ou um pouco menos críticos, mas sem dúvida, competentes membros do "mainstream" e senhores da mais sofisticada matemática e econometria) acabam de publicar um trabalho, "A Crise Financeira e o Fracasso Sistêmico da Economia Acadêmica" (1). É um verdadeiro réquiem de corpo presente para a economia pré-galileliana, que foi dominante na última geração.
A síntese do artigo (em tradução livre) é a seguinte:
"A profissão dos economistas parece ter ignorado a longa construção que terminou nesta crise financeira internacional e ter significativamente subestimado as suas dimensões quando ela começou a manifestar-se. Na nossa opinião, essa falta de entendimento foi devida à má alocação dos recursos de pesquisa na economia. Fixamos as raízes profundas desse fracasso na insistência da profissão em produzir modelos que - por construção - ignoram elementos fundamentais que controlam os resultados no mundo dos mercados reais. A profissão falhou, lamentavelmente, na comunicação ao público das limitações e fraquezas e, mesmo, dos perigos que caracterizam os modelos de sua preferência. Esse estado de coisas deixa claro a necessidade de uma fundamental reorientação das pesquisas que devem ser feitas pelos economistas e, também, do estabelecimento de um código de comportamento ético, que exija deles o conhecimento e a comunicação (para o público) das limitações e dos maus usos potenciais possíveis de seus modelos".
O final do trabalho é ainda mais preocupante:
"Acreditamos que a teoria econômica caiu numa armadilha de um equilíbrio subótimo, no qual o grosso do esforço de pesquisa não foi dirigido para as mais angustiantes necessidades das sociedade. Paradoxalmente, um efeito retroativo, que se autorreforça dentro da profissão, levou à dominância de um paradigma que tem base metodológica pouco sólida e cuja performance empírica é, para dizer o menos, apenas modesta. Pondo de lado os mais prementes problemas da moderna economia e fracassando na comunicação das limitações e das hipóteses contidas nos seus modelos mais populares, a profissão dos economistas tem certa responsabilidade na produção da crise atual. Ela falhou na sua relação com a sociedade. Não produziu tanto conhecimento quanto seria possível sobre o comportamento da economia e não a alertou dos riscos implícitos nas inovações que criava. Além do mais, relutou em enfatizar as limitações da sua análise. Acreditamos que o seu fracasso em sequer antecipar os problemas gerados pela crise do sistema financeiro e a sua incapacidade de prover qualquer sinal antecipado dos eventos que iriam se passar exigem uma reorientação fundamental dessas áreas e uma reconsideração de suas premissas básicas".
Trata-se de um trágico "requiescat in pace", não para a teoria econômica, mas para o "mainstream" pré-galileliano, que se apropriou dela com imensa irresponsabilidade. Podemos voltar agora à modesta e útil economia política?
Nota:
1.- Os autores são David Colander, Katarina Inlesuis, Alan Kirman e outros
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