"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"
Friedrich Nietzsche

terça-feira, março 10, 2009

Roberts: Os EUA em depressão

Site do Azenha - Atualizado em 05 de março de 2009 às 16:45 | Publicado em 05 de março de 2009 às 11:25

Os atrasados mentais de Washington

À beira do abismo

por Paul Craig Roberts [*]

Existirá vida inteligente em Washington, DC? Nem pó.

A economia está em implosão, e Obama é arrastado pelo seu governo de neoconservadores e de agentes israelenses para um pântano no Afeganistão que acabará num confronto dos EUA com a Rússia, e possivelmente com a China, o maior credor dos americanos.

Os números dos salários pagos em janeiro revelam que, no mês passado, perderam os seus empregos 20 mil americanos por dia.

Para além disso, as perdas de emprego em dezembro foram retificadas em 53 mil postos de trabalho, de 524 mil para 577 mil. Esta revisão eleva a perda de postos de trabalho nos dois meses para 1.175.000. Se isso continuar, os três milhões de novos postos de trabalho prometidos por Obama serão anulados pela perda de postos de trabalho.

O especialista em estatística John Williams (shadowstats.com) considera que esse número gigantesco é calculado com distorção. Williams nota que influências intrínsecas nos fatores de ajustamento sazonal provocaram uma subavaliação das perdas de emprego em janeiro em 118 mil, o que eleva a perda de empregos real em janeiro para 716 mil postos de trabalho.

A análise da folha de pagamentos conta o número de postos de trabalho, e não o número de pessoas com trabalho, visto que algumas pessoas têm mais do que um emprego. O Household Survey, por outro lado, calcula o número de pessoas que têm trabalho. O Household Survey mostra que em janeiro perderam os seus empregos 832 mil pessoas e em dezembro 806 mil, o que totaliza uma redução de 1.638.000 de americanos com trabalho.

A taxa de desemprego anunciada nos meios de comunicação é uma falsificação. Williams relata que através de alterações feitas a partir de 1980, principalmente na era Clinton, "os trabalhadores que desistiram de procurar emprego porque não havia trabalho, foram reclassificados de modo a apenas serem contados se tivessem deixado de procurar emprego há menos de um ano. Essa classificação de acordo com o tempo pôs de lado o grosso dos trabalhadores que desistiram de procurar emprego. Se voltássemos a incluí-los no total dos desempregados, o desemprego real [segundo a metodologia da taxa de desemprego utilizada em 1980] subiria para 17,5% em dezembro e 18% em janeiro".

Em outras palavras, sem todas essas manipulações dos dados, a taxa de desemprego já atingiu níveis de depressão.

Como é que poderia ser diferente, dada a enorme perda de postos de trabalho provocada pela exportação de empregos? É impossível que um país crie postos de trabalho quando as suas empresas deslocam a produção destinada ao mercado consumidor americano para fora do país. Quando fazem isso, desviam o PIB americano para outros países. O déficit comercial dos EUA durante os últimos dez anos reduziu o seu PIB em 1,5 trilhão de dólares. Significa uma quantidade enorme de empregos.

Há anos denuncio que formados em universidades têm sido forçados a aceitar empregos de garçom e em bares. À medida em que os consumidores super endividados vão perdendo os seus empregos, passam a ir menos frequentemente a restaurantes e bares. Por conseguinte, os que têm grau universitário vão perder até mesmo os empregos de garçons e em bares.

Os políticos americanos têm ignorado o fato de que a procura do consumidor no século XXI tem sido motivada não pelo aumento das receitas reais, mas por um crescente endividamento do consumidor. Esse fato torna inútil tentar estimular a economia socorrendo aos bancos para que eles possam emprestar mais aos consumidores. Os consumidores já não têm capacidade de pedir novos empréstimos.

Perante o declínio dos seus principais valores patrimoniais – as casas –, perante a destruição de metade dos seus ativos de pensões e perante o espectro da falta de trabalho, os americanos não podem e não continuarão a gastar.

Por que é que se socorre a GM e o Citibank, se elas transferem para o Exterior todas as operações que podem?

Grande parte da infra-estrutura americana está em mau estado e precisa ser renovada. No entanto, os postos de trabalho em infra-estrutura não produzem bens nem serviços que possam ser vendidos no estrangeiro. Um gasto maciço na infra-estrutura não contribui para ajudar os EUA a reduzir o seu enorme déficit comercial, cujo financiamento está se tornando um problema crucial. Além disso, quando os projetos de infra-estrutura acabarem, o mesmo acontecerá com os empregos.

Na melhor das hipóteses, partindo do princípio de que os imigrantes mexicanos não vão ocupar a maior parte dos postos de trabalho na construção, o mais que o programa de estímulo de Obama pode fazer é reduzir temporariamente o número de desempregados

A não ser que seja possível exigir que as empresas americanas utilizem mão-de-obra americana para produzir os bens e serviços que vão vender nos mercados americanos, não há esperança para a economia dos Estados Unidos. Ninguém na administração Obama tem lucidez para tratar desse problema. Portanto, a economia vai continuar a implodir.

Acrescentando ao desastre em fermentação, Obama foi induzido por conselheiros militares e neoconservadores a expandir a guerra no Afeganistão, um país enorme e montanhoso. Obama pretende utilizar a retirada dos soldados americanos do Iraque para enviar mais 30 mil efetivos ao Afeganistão. Isso elevaria as forças americanas para 60 mil – 600 mil a menos do que o necessário, de acordo com as teorias contra-revolucionárias dos Fuzileiros Navais e do Exército americanos para ter êxito no Afeganistão – , menos da metade das forças de um exército que não conseguiu ocupar o Iraque.

Os iranianos tiveram que socorrer o regime Bush refreando os seus aliados xiitas [no Iraque] e encorajando-os a recorrer às urnas para conquistar o poder e expulsar os americanos. No Iraque as tropas americanas apenas tiveram que combater uma pequena rebelião sunita surgida da minoria da população. Mesmo assim, os EUA "ganharam" colocando os rebeldes na lista de pagamentos dos EUA e pagando-lhes para eles não combaterem. O acordo de retirada foi ditado pelos xiitas. Não era o que o regime Bush pretendia.

Poder-se-ia pensar que a experiência com o "passeio" no Iraque faria com que os EUA hesitassem em tentar ocupar o Afeganistão, um empreendimento que exige que os EUA ocupem áreas do Paquistão. Os EUA tiveram muita dificuldade em manter 150 mil soldados no Iraque. Onde é que Obama vai arranjar mais meio milhão de soldados para juntar aos 150 mil a fim de pacificar o Afeganistão?

Uma das respostas é o desemprego maciço nos EUA, em crescimento galopante. Os americanos preferirão alistar-se para ir matar no estrangeiro do que ficar na sua terra, sem casa e com fome.

Mas isso só resolve metade do problema. De onde vem o dinheiro para alimentar um exército de 650 mil soldados, um exército 4,3 vezes maior do que as forças americanas no Iraque, uma guerra que já custou 3 trilhões de dólares desembolsados ou já comprometidos em despesas futuras? Esse dinheiro terá que ser arranjado para além dos 3 trilhões de dólares do déficit orçamentário dos EUA, déficit este resultante da operação de salvamento de Bush ao setor financeiro, do pacote de estímulo de Obama e da rápida queda da economia. Quando as economias estagnam, conforme acontece com a americana, caem as receitas fiscais. Os milhões desempregados já não pagam a Previdência Social, o Medicare e os impostos sobre rendimentos. As lojas e negócios que vão fechando deixam de pagar impostos sobre rendimentos, federais e estatais. Os consumidores sem dinheiro ou crédito não pagam mais impostos sobre vendas.

Os Atrasados Mentais de Washington, e são mesmo atrasados mentais, não pensaram em como vão financiar um déficit fiscal de cerca de dois ou três trilhões de dólares no orçamento de 2009.

A taxa de poupança americana, praticamente inexistente, não poderá financiá-lo.

Os excedentes comerciais dos nossos parceiros comerciais, como a China, o Japão e a Arábia Saudita, não podem financiá-lo.

O governo dos EUA só tem de fato duas possibilidades para financiar o seu déficit orçamentário. Uma delas é um segundo colapso no mercado de ações, que fará com que os investidores sobreviventes acorram, com o que lhes restar, aos títulos do Tesouro americano, considerados "seguros". A outra é que o Federal Reserve monetarize a dívida do Tesouro.

Monetarizar a dívida significa que, quando ninguém está disposto ou tem capacidade para comprar os títulos do Tesouro, é o Federal Reserve [o Banco Central americano] quem os compra, criando depósitos bancários na conta do Tesouro.

Em outras palavras, o Fed "imprime dinheiro", que usa para comprar os títulos do Tesouro.

Quando isso acontecer, o dólar americano deixará de ser a moeda de reserva [mundial].

Além disso, a China, o Japão e a Arábia Saudita, países que detêm quantidades enormes da dívida do Tesouro dos EUA, para além de outros ativos em dólares, irão vendê-los, na esperança de se livrar dos títulos antes de outros investidores.

O dólar deixará de ter valor, passará a ser moeda de uma república de bananas.

Os EUA deixarão de poder pagar as importações, um problema grave para um país dependente das importações de energia, bens manufaturados e produtos de tecnologia avançada.

Os conselheiros keynesianos de Obama aprenderam, com uma lição vingativa de Milton Friedman, que a Grande Depressão foi consequência de o Federal Reserve [o Banco Central] ter permitido uma contração do fornecimento de dinheiro e de crédito. Na Grande Depressão as dívidas boas foram destruídas pela contração monetária. Hoje, são as dívidas más que são sustentadas pela expansão do dinheiro e do crédito, e o Tesouro dos EUA arrisca sua posição de crédito e a posição do dólar como moeda de reserva com os enormes leilões trimestrais de títulos, conforme assistimos.

Entretanto, os russos, transbordando de recursos energéticos e minerais, sem dúvidas perceberam que o governo dos EUA não é de confiança. A Rússia assistiu à tentativa dos sucessores de Reagan de transformar clientes da União Soviética em estados marionetes dos EUA com bases militares. Os EUA tentam cercar a Rússia com mísseis que neutralizem a dissuasão estratégica da Rússia.

Putin entendeu bem o "camarada lobo". Conseguiu que o presidente do Quirguistão, uma antiga república da União Soviética, desalojasse os EUA da sua base militar. Esta base é essencial para a capacidade de a América abastecer os seus soldados no Afeganistão.

Para impedir a intromissão da América na esfera de influência da Rússia, o governo russo criou uma organização de segurança coletiva formada pela Rússia, Armênia, Bielorrússia, Casaquistão, Quirguistão e Tajiquistão. O Uzbequistão é participante parcial.

Em outras palavras, a Rússia organizou a Ásia Central contra a penetração dos EUA.

A que agenda é que o Presidente Obama está se amarrando? Num artigo na versão inglesa do jornal suíço Zeit-Fragen, Stephen J. Sniegoski assinala que as figuras de proa da conspiração neoconservadora – Richard Perle, Max Boot, David Brooks e Mona Charen – ficaram em êxtase com as nomeações de Obama. Não encontram qualquer diferença entre Obama e Bush-Cheney.

Não são só os homens nomeados por Obama que o empurram para uma guerra ampliada no Afeganistão, o poderoso lobby israelense também empurra Obama para uma guerra com o Irã.

É difícil de acreditar no irrealismo com que o governo dos EUA manobra. Um governo na falência, que não consegue pagar as contas sem imprimir dinheiro, corre precipitadamente para guerras no Afeganistão, Paquistão e Irã. Segundo o Centro de Análise Estratégica e Orçamentária, o custo para os contribuintes de enviar um só soldado para combater no Afeganistão ou no Iraque é de 775 mil dólares por ano!

A guerra de Obama no Afeganistão é o Chá do Chapeleiro Maluco [1] . Após sete anos de conflito, ainda não há qualquer missão definida nem cenário de longo prazo para as forças americanas no Afeganistão. Quando lhe perguntaram qual era a missão, um militar disse à NBC News, "francamente, não temos nenhuma". A NBC noticia: "Estão trabalhando nela".

Ao falar no Congresso em 5 de fevereiro, o presidente Obama reconheceu que seu governo não sabe qual é a missão no Afeganistão e que para evitar "o arrastamento de uma missão sem parâmetros", os EUA "necessitam de uma missão clara".

Vocês gostariam de ser enviados para uma guerra cujo objetivo ninguém conhece, nem mesmo o comandante-em-chefe que vos envia para matar ou ser morto? Caros contribuintes, gostariam de pagar o custo enorme de enviar soldados para uma missão indefinida enquanto a economia desaba?

09/Fevereiro/2009

[1] Em 'Alice no País das Maravilhas', o Chapeleiro Maluco apresenta um enigma: "O que têm em comum um corvo e uma escrivaninha?". Quando Alice desiste, o Chapeleiro reconhece que também não sabe a resposta (N.T.)

[*] Paul Craig Roberts foi secretário-assistente do Tesouro no governo Reagan. É co-autor de 'The Tyranny of Good Intentions'.

O original encontra-se em http://www.counterpunch.org/roberts02092009.html . Tradução de Margarida Ferreira, com adaptação para o português do Brasil do Viomundo.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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